Um Ensaio Sobre o Feio
Artigo — 2022



Salvador Dalí.  A Face da Guerra, 1940




Uma percepção estética mais elementar pode colocar tudo aquilo que passa pelos sentidos sobre a métrica do que é bonito e do que é feio. Entre aquilo que é colocado como harmônico e aquilo que é desarmônico. Entre o que atende premissas estéticas que lhe são agradáveis e aquilo que corrompe essa percepção de alguma forma, dentro de seu tempo, contexto, política, língua e cultura. Mas como este conceito pode ser melhor explorado para uma prática e percepção cotidiana no design?



feio

adjetivo
1. desprovido de beleza, de aparência desagradável.
2. vil, desonesto, vergonhoso, torpe.




Jillian Adel. Invisible Women - The Baffler. Ao lado, Rooted #025 - NFT Collection





1. QUE BOM SER BONITO 


Este ensaio não fala sobre o belo. Fala sobre o feio. Dizer isso coloca em prática o imenso senso já estabelecido na arte, no design, na moral e na estética sob o julgo destes polos. De que o mundo pode ser observado por uma lógica maniqueísta, mas observe: esta lógica é claramente insuficiente para dar conta dele e suas relações.

De certa forma, os tratados da arte e seus manifestos estão interessados no registro ou na construção de um “novo” senso estético, flerte ao que se harmoniza ao pensamento, ao que se sente naquela janela de tempo - em boa parte, com os olhos voltados para o futuro sob a ótica de uma ruptura com o passado ou a outros movimentos. É importante mencionar aqui: Hípias Maior, Platão - Trattato della Pittura, Leonardo da Vinci - Manifesto Dadaísta, Hugo Ball - Manifesto Futurista, Marinetti - Crítica da Faculdade do Juízo, Immanuel Kant - O Mal-Estar na Civilização, Freud - Manifesto Antropofágico, Oswald de Andrade O Crepúsculo dos Ídolos, Friedrich Nietzsche.

Podemos assumir que isso permeia imensa parte da produção humana e seu senso estético. Mas esta é uma afirmação que merece cuidado e atenção. Embora estes ideais estejam presentes em nossa forma de pensar, consumir e produzir, corrompem a possibilidade de que algo fora destas linhas encontre possibilidades para expressar sua própria voz ou estrutura conectada ao belo.

Em linhas gerais, o que dizer, por exemplo, das obras de Picasso em determinadas fases, como o cubismo? Como dimensionar a estética tipográfica árabe imerso em uma cultura ocidental? Logo percebemos que é por demais insuficiente colocar a produção humana sob o jugo desses polos dado a nossa própria limitação temporal e cultural - para dizer o mínimo. E é aqui que estes paradigmas encontram pontos frágeis e, em muitos casos, perigosos - já vimos como, ao longo da história, ideais estéticos (e morais) foram utilizados para levantar bandeiras, disseminar propagandas e endossar políticas de exclusão e adequação.

Sobre ser bonito, é bom perceber que estamos seguindo na direção de algo que a toca com a ponta dos dedos e se lança para uma percepção mais ampla que o cânone. A beleza sempre será um parâmetro, enquanto ela não for tomada para determinar formas e caminhos absolutos.


Picasso. Busto de mulher com chapéu com flores, 1942 e Cabeça (Tetê), 1913-14




É interessante perceber a existência de um farto material para tratar da beleza, e muito pouco sobre o feio. Talvez por que, em alguma medida, acreditamos tratar de um ao falar do outro. No fundo, todo livro, manifesto, tratado, manual ou tutorial do Youtube que aborda as mais elementares questões, está nos dizendo: ao seguir estas regras você garante que aquilo responda bem à sua função, e este sentido talvez explique a razão de que tudo aquilo que é feio, é também perigoso para a leitura, para o funcionamento da linha de montagem, para a construção de um prédio ou para que uma cadeira se ponha de pé de forma estável e segura.

E é aqui que gostaria de realizar uma primeira pontuação: no design, o termo feio pode ser vago ou amplo demais para se dizer o que se quer dizer por algo que não atende ao cânone, a ordem e ao equilíbrio. Falaremos sobre issso.

Dentro desta reflexão, é importante mencionar: quando observamos certas premissas compositiva e quase todo escopo estrutural plástico visual ao longo da história em seus diversos movimentos, encontramos linhas e constantes matemáticas que nos guiam por caminhos adequados em determinadas soluções. Sim, estes números irracionais presentes na natureza dão estrutura a uma forma de beleza. Ela existe e precisa ser observada quando refletimos sobre caminhos estéticos mais elementares. Estas estruturas são importantes na construção de um pensamento projetual - na composição visual, na arquitetura e nos estudos ergonômicos, a citar. Porém, proporção e harmonia não são suficientes para dizer se algo é belo ou bonito.

Embora o design encontre nestas chaves um aporte para sua produção e manifestação, percebemos que ele, bem como a arte e arquitetura, não deseja apenas replicar as linhas e grelhas sobre as quais se ancora.

Não há mesmo nada de errado em atender a requisitos básicos dentro de uma composição. É bom ser bonito à luz de algo que precisa estar atento ao que funciona e que não deseja romper com percepções elementares - para dizer o mínimo. Mas acredito que o design é uma prática muito reflexiva e questionadora - por vezes, rebelde. E o feio, aparentemente (risos), ganhou novos braços, olhos e tentáculos. E se apresenta hoje de forma mais elaborada do que outrora pensamos ser.


Braulio Amado. Percepções elementares sobre feio ou bonito podem ser inadequadas aqui. Vejamos se o inquietante pode ser melhor justaposto ao que se pretende dizer.






2. QUE BONITO SER FEIO


Se mãos tivessem os bois, os cavalos e os leões e pudessem, como os homens, criar obras com estas mãos, semelhantes ao cavalo, os cavalos desenhariam as formas dos deuses, e os bois semelhantes ao boi, e lhes fariam corpos tais quais eles os têm. — Xenófanes de Colofão



Alguns autores e designers já trataram do feio de forma direta, ao trilhar por estas rugas e de como o design faz uso ou entende esta questão. Um dos textos mais emblemáticos sobre o tema foi escrito em 1993 por Steven Heller para a revista Eye. Cult of the ugly observa a quebra de padrões estéticos nos anos 1980, os quais corrompem regras que, de alguma forma, se mostraram cansadas.

Como o próprio autor alerta: “Enquanto o modernismo suavizava as arestas das comunicações ao prescrever um número limitado de opções, também criava uma receita para a mediocridade. Se um sistema de design modernista for seguido por rotina, o resultado pode ser tão desinteressante e, portanto, tão feio quanto qualquer boletim informativo ou anúncio não projetado. Portanto, o design que desafia agressivamente os sentidos e o intelecto, em vez de seguir o pacote, deve, em teoria, ser tolerado, se não encorajado.”


Edward Fella. "Seu estilo desconstrutivo característico, com fontes coloridas desenhadas à mão, quebrou todas as regras do manual. Divertido, louco e eclético" - It's Nice That





Talvez o flerte ao feio comece aqui: quando a busca pelo novo questiona o cânone e caminha no limite da curva, sem qualquer compromisso com o sucesso, com a função, com a leitura ou com seu uso e adequação, para ser então percebido como aquilo que quer apenas ser ou experimentar, até alcançar um sentido de ruptura com a ordem e sentido de um tempo. E este talvez seja o tijolo de construção para o futuro, para o design que virá: replicar o cânone pode ser uma armadilha fácil para perpetuar o mesmo, o óbvio e tudo aquilo que está posto para o nosso conforto, sendo este possivelmente um projeto para os nossos próprios túmulos (Dmitri Siegel, 2006). O feio pode assim ser o começo de algo que quer se desgarrar da ordem e do comum, uma ruptura e uma pista sobre algo que se desgastou, que já não nos apresenta algum argumento novo. É possível que seja também aquilo que era antes bonito, passível de ser percebido como algo que agora tem o seu valor estético questionado ou não mais acessado/percebido da mesma forma (estética avariada pelo tempo). 


Anacronismo estético. A produção de bens de consumo são um índice estético de sua época, refletindo e transmitindo a tendência e os valores de seus dias, os quais podem ser reinterpretados, questionados, inacessíveis ou estranhos para outras gerações.

Christopher Dresser. Bule de Chá, 1879





A percepção do feio envolve um problema: tomamos conhecimento de sua natureza através de sua arqueologia. Somente sobre aquilo que foi registrado na pintura, na escultura, na moda, na arquitetura e na literatura, por exemplo. O feio pode ser algo corrompido de seu sentido original. Para Umberto Eco, "para um ocidental, uma máscara ritual africana poderia parecer horripilante - enquanto para o nativo poderia representar uma divindade benévola. (...) No caso de outras culturas, ricas em textos poéticos e filosóficos (como, por exemplo, a indiana, a japonesa ou a chinesa), vemos imagens e formas, mas ao traduzir tanto as páginas de literatura quanto as filosóficas, é quase sempre difícil estabelecer até que ponto determinados conceitos podem ser idenificados aos nossos, embora a tradição nos tenha induzido a transpô-los para termos ocidentais como ‘belo’ ou ‘feio’. Mesmo que as traduções fossem confiáveis, saber que numa determinada cultura entende-se como bela uma coisa que exibe proporção e harmonia, (...) o que se entende, de fato, com estes dois termos?”


Possível máscara cerimonial N'tomo. Séc. 18
Crânio azteca em um mosaico policromático. México, 1300-1521





Entender o feio é também um desafio. Sobretudo no uso de uma palavra que deixa escapar pelas suas bordas sentidos maiores do que ela. Há claramente uma percepção mais rápida. E esta percepção é necessária em nossas relações cotidianas, mas é sempre importante perceber que, quando dizemos que algo é bonito ou feio, empurramos com imensa força o vértice que se desloca brutalmente para a ponta extrema de uma régua que anula imensos sentidos pela qual ela perpassa. E aqui encontramos outro novo desafio: feio não é apenas aquilo que se opõe ao belo.


Andy Warhol. A Estética Trash, 1975. "A coisa mais bonita de Tóquio é o McDonald's. A coisa mais bonita de Estocolmo é o McDonald's. A coisa mais bonita de Florença é o McDonald's".





Segundo Umberto Eco, “se examinarmos os sinônimos de belo e feio, veremos que, enquanto se considera belo aquilo que é bonito, gracioso, prazenteiro, atraente, agradável, garboso, delicioso, fascinante, harmônico, maravilhoso, delicado, leve, encantador, magnífico, estupendo, excelso, excepcional, fabuloso, legendário, fantástico, mágico, admirável, apreciável, espetacular, esplêndido, sublime, soberbo; 

é feio aquilo que é repelente, horrendo, asqueroso, desagradável, grotesco, abominável, vomitante, odioso, indecente, imundo, sujo, repugnante, assustador, abjeto, monstruoso, horrível, hórrido, horripilante, nojento, terrível, terrificante, tremendo, revoltante, repulsivo, desgostante, aflitivo, nauseabundo, fétido, apavorante, ignóbil, desgracioso, desprezível, pesado, indecente, deformado, disforme, desfigurado (para não falar das formas como o horror pode se manifestar em territórios designados tradicionalmente para o belo, como o legendário, o fantástico, o mágico, o sublime. Isso tudo é demais para que se continue a dizer que o feio é o simples oposto do belo, entendido como harmonia, proporção ou integridade” (História da Feiura, 2010).


Uwe Loesch. Nur Fliegen ist schöner (somente voar é muito belo), 2003 - cartaz para projetos próprios misturando moscas e tipos. Ao lado, Eskalationen, 1980.





3. TRÊS FORMAS DE VER O FEIO


Perdi o medo do feio. Sinto que uma primeira liberdade está pouco a pouco me tomando. Terei enfim perdido todo um sistema de bom gosto? Mas será este o meu ganho único? Pois nunca até hoje temi tão pouco a falta de bom gosto. Por enquanto o primeiro prazer tímido é o de constatar que perdi o medo do feio. E essa perda é de uma tal bondade. É uma doçura. — Clarice Lispector



Para Umberto Eco existem três formas de ver o feio: o feio em si (um excremento, uma carcaça em decomposição, um ser coberto de chagas emanando um mal cheiro), o feio formal (aquilo que é desequilibrado, desarmonioso ou que fere alguma ordem ou regra estabelecida), e o feio artístico (ou a representação artísticas dos conceitos anteriores).

Dentre estas representações, o feio formal e sobretudo o feio artístico (o qual nos permite flertar com outras percepções) parecem estar muito conectados ao sentido e prática do design - quando ele segue este viés. Mas acredito que estas são construções que apontam para algo anterior e, talvez, mais profunda sobre o que se pretende e se sente sobre o feio. Com isto, abrimos uma nova janela neste ensaio: o que queremos com o feio e como ele pode endossar nossa prática e reflexão? Afinal, nós designer estamos também na ponta de construção de sentidos, atores muito potentes na colocação do tijolo que contribui para a sedimentação de uma cultura intrinsecamente conectada a uma estética, moral e política - em boa parte na cultura visual, na produção material, no desenvolvimento de sistemas e na economia criativa que permeia a linha de montagem e a cadeia de consumo.

O feio artístico.  Pieter Paul Rubens - A Cabeça de Medusa, 1618





É preciso dizer ainda que encontramos diversas rupturas com o cânone ao explorar outra possibilidade: a estética do real. Mergulhados em uma beleza publicitária que lapidou por séculos corpos em mármore branco, nos deparamos hoje - mais uma vez - com uma releitura do real. Há bastante por se dizer a este respeito. Porém, o real nunca pode ser alcançado dentro da publicidade, vídeo ou foto do instagram. Embora este movimento tenha possíveis reais intenções, e tente nos colocar novamente diante daquilo que simplesmente É, aponta apenas para a mensagem e para uma reflexão sobre como podemos nos desconectar de algo realmente humano ao criar um sentido artístico sobre a vida, sobre os corpos, sobre a cultura e sobre a linguagem.

O real está lá fora. E somente em contato com o mundo em nossas relações temos acesso a sua estética. De outra forma, chamo a reflexão: seria possível reproduzi-la? Para alguns autores, todo posicionamento de câmera, de luz e ângulo é, desde já, um recorte e um ponto de vista. Dessa forma, graças aos diversos mecanismos de mídia neste império das telas, estamos há algum tempo (ou bastante) imersos em uma re-apresentação do real. E talvez, por esta razão, a estética do real passa a ser cada vez mais entendida como um pós-real (irreal - virtual - digital). Com isso, talvez estejamos fabricando uma nova percepção do real, desgostosos de suas rugas. Se sim, teremos esses olhos de carne cada vez mais administrados pelos filtros e óculos que mediam toda coisa que pode ser camuflada para cobrir e criar uma bela imperfeição.


Uma possibilidade para feio formal no design gráfico. As diversas provocações, distorções estilísticas e deficiências técnicas promovidas pelo acesso, pela rápida produção, pela rede e compartilhamento, flertam com a crítica e com o humor sobre o que foi posto como 'bom ou bonito para o design gráfico'. O resultado é a criação de uma estética muito própria.





Talvez seja possível afirmar que o design, bem como a moda, transmutam diversos sentidos estéticos a favor de novas intenções em hibridizações, o que nos leva para algo que se desconecta um pouco mais daquilo que outrora colocamos dentro de uma dicotomia mais elementar - bonito e feio. E que flerta sempre mais com aquilo que que é formal e artístico quando suas intenções corrompem sentidos clássicos. Talvez fosse possível afirmar que o feio em si foi mascarado pelo feio artístico. E isso sempre será possível para se entender parte do que nós designers queremos com o feio: uma interpretação acidental ou proposital, uma provocação que se rebela e co-rompe o estado normal das coisas. Todavia, acredito que esta seja apenas uma forma de enxergar essa questão. A qual pode estar conecata a algo mais profundo dentro de nossa percepção ao longo de nossa prática.


George Romero. A noite dos Mortos Vivos, 1968





4. UMA PROPOSTA PARA O DESIGN: O INQUIETANTE


Nos meus filmes sobre zumbis, os mortos que voltam à vida representam uma espécie de revolução, uma reviravolta radical num mundo que muitos dos personagens humanos não conseguem entender, preferindo marcar os mortos vivos como o Inimigo, quando na realidade eles são nós. — George Romero 



Ao longo deste artigo tratamos do uso da palavra. De que o feio pode ser vago ou amplo demais para dizer o que muitas vezes desejamos alcançar. Pelo menos dentro de uma prática mais elaborada, como o design. Gostaria de propor uma nova palavra para dimensionar ou aquilatar aquilo que muitas vezes queremos com o feio em nossa prática: o inquietante.

O inquietante, o estranho familiar ou a inquietante estranheza (do alemão, Unheimliche) é um conceito freudiano apresentado em 1919 em um de seus artigos. O termo já estava presente na obra O Homem de Areia, de E. T. A. Hoffmann (1776 – 1822), como um conceito da estética. Em 1906, Ernst Jentsch já havia escrito o seu Psychologie des Unheimlichen, definindo-o como aquilo que é inusitado, que provoca “incerteza intelectual” e que diante do qual “não se entende mais nada”.

Para que se entenda o conceito em sua raiz, transcrevo aqui um conjunto de fragmentos retirados do texto Inquietante - Unheimliche do próprio Freud, presentes no volume 16 de suas Obras Psicológicas Completas. O original foi escrito em alemão, no início do séculos XX. Na versão brasileira, traduzida por Paulo Cézar de Souza para a editora Companhia das Letras, temos:

“É raro o psicanalista sentir-se inclinado a investigações estéticas, mesmo quando a estética não é limitada à teoria do belo, mas definida como teoria das qualidades de nosso sentir. O inquietante é um desses domínios. Sem dúvida, relaciona-se ao que é terrível, ao que desperta angústia e horror, e também está claro que o termo não é usado sempre num sentido bem determinado, de modo que geralmente equivale ao angustiante. (…) A respeito disso nada encontramos nos minuciosos tratados de estética, que se ocupam antes das belas, sublimes, atraentes — ou seja, positivas — sensibilidades, de suas condições e dos objetos que as provocam, do que daquelas contrárias, repulsivas, dolorosas.

(…) A palavra alemã unheimlich é evidentemente o oposto de heimlich, heimisch, vertraut (doméstico, autóctone, familiar), sendo natural concluir que algo é assustador justamente por não ser conhecido e familiar. Claro que não é assustador tudo o que é novo e não familiar; a relação não é reversível. Pode-se apenas dizer que algo novo torna-se facilmente assustador e inquietante; (…) Tudo somado, Jentsch limitou-se a esse vínculo do inquietante com o novo, o não familiar. Para ele, a condição essencial para que surja o sentimento do inquietante é a incerteza intelectual. O inquietante seria sempre algo em que nos achamos desarvorados, por assim dizer. Quanto melhor a pessoa se orientar em seu ambiente, mais dificilmente terá a impressão de algo inquietante nas coisas e eventos dele.”


Raoul Hausmann. O crítico de arte, 1919–20





Ao tomar emprestado o inquientante da psicanálise, percebemos uma provocação justaposta ao que sentimos em nossa prática dentro do design: muito do que fazemos não é necessariamente feio ou bonito, numa desconstrução visual, acredito que manifestamos muitas vezes aquilo que encontramos em nós mesmos, em nossa incerteza intelectual, no desalinhamento da forma, da métrica ou de qualquer intenção em desacordo com aquilo que é confortável, equilibrado ou funcional.

O inquietante pode ser - minimamente - uma palavra que responde melhor ao que nós designers queremos com o feio - este paradoxalmente sempre amplo ou raso demais. Ou com aquilo que nos provoca e quer provocar. É assim inquietante por também ressoar em algo íntimo, sentido e percebido.

Aquilo que é feio passa a ser melhor apreciado por evocar o que é o nosso incomodo, o nosso estranho e ao mesmo tempo familiar - e talvez por isso, por ser familiar, nos evoque tanto. Dizemos inquietante, para alcançar um melhor sentido sobre aquilo que era apenas feio. Com isso, se o que digo por feio me inquieta é por encontrar em mim mesmo algum reflexo, sombra e fragmento.


As seguintes obras foram consultadas neste artigo:

  1. História da Feiura - Org. Umberto Eco
  2. Políticas do Design - Ruben Pater
  3. Inquietante, em Obras Psicológicas Completas - Sigmund Freud
  4. História do Design Gráfico - Philip B. Megss e Alston W. Purvis
  5. The Story of Design - Charlotte & Peter Fiell
  6. Dicionário de Filosofia - Nicola Abbagnano
  7. Cult of the Ugly - Steven Heller
  8. A História da Arte -  E.H. Gombrich
  9. O Que Resta: Arte e Crítica de Arte - Lorenzo Mammi
  10. Feeling and Form: A Theory of Art - Susanne Langer






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