Thea Severino
Entrevista — 2018



HEADLINE



Nesta entrevista, conversamos com a designer que coordenou as mudanças gráficas e digitais do jornal Folha de S.Paulo, em 2018. A editora do núcleo de imagem, Thea Severino, fala sobre sua trajetória, rotinas e detalhes sobre a reprogramação visual de um dos maiores veículos de comunicação do Brasil.





VEJO FLORES EM VOCÊ


Olá, sou Thea Severino, designer gráfica, tenho 37 anos e sou apaixonada por flores e papel. Atualmente, cuido do Núcleo de Imagem da Folha de S.Paulo. Pensando um pouco na minha trajetória, acho que ela começa no curso de desenho industrial da FAAP (Fundação Armando Alvares Penteado), onde, em 2002, me especializei em programação visual. Durante o curso, estagiei com a designer Renata Alves Souza. Fazíamos material educacional para o ISA (Instituto Socioambiental). Um período maravilhoso! Lembro que alterávamos as tipografias para incluir caractéres indígenas nos projetos. Foi também a oportunidade de conhecer os mitos e as vivências das aldeias do Alto Xingu. Um grande privilégio. E foi o início da paixão pelo impresso.

Formada, trabalhei (acho que um semestre) com Carlos Perrone, no escritório especializado em marcas Desenho Lógico. Em seguida, abri um estúdio de design com três amigos, o Lab.Ur.Dza. - Laboratório Urbano de Design). Éramos então Pablo Casas e Daniel Arenas trabalhando com projetos de objetos, Marcio Villar, com o digital, e eu, com o gráfico. Mas foi logo nesse período, já nos três primeiros meses, que me inscrevi no programa de treinamento do jornal Folha de S.Paulo. Afinal, era jovem tinha curiosidade de conhecer o universo periodístico.

O jornal sempre esteve presente em minha família. Minha avó paterna, Norma Suarez, foi colunista de moda no jornal El País (Uruguai) nas décadas de 1960, 70 e 80. Meu pai, Ariel Severino, era quadrinista de lá e também do jornal Acción, além de ilustrar o semanário Marcha ( jornal uruguaio, 1939 - 1974), nas seções de Variedade e Cultura. Em 1974, meus pais se mudaram para o Brasil. Meu pai passou a integrar a equipe do saudoso Jornal da Tarde (fechado em 2012 - Grupo Estado) e a colaborar com o suplemento de cultura do Estadão.

Bem, no fim do trainee, o editor de arte italiano, Massimo Gentile (1962-2015), convidou-me a trabalhar lá, isso em 2003. Neste período, fui diagramadora (jargão para designer gráfica nos jornais). Depois me tornei Editora de Arte e Foto da revista da Folha (a qual mudou de nome para revista sãopaulo - assim mesmo, tudo junto em caixa baixa) e o guia (suplemento semanal que circula toda sexta-feira na grande SP). Participei da implantação do projeto gráfico de 2006 e do projeto de 2010, capitaneado pela designer Eliane Stephan. Em 2015, me convidaram para ser Editora de Arte da Folha, no momento estava como editora-adjunta da Ilustrada - suplemento de cultura do jornal a convite do editor Ivan Finotti. E, no ano seguinte, em setembro de 2016, fizeram a fusão das editoriais de arte, vídeo e fotografia, as quais passaram a compor o Núcleo de Imagem. Sigo como coordenadora até hoje.


Thea Severino, editora do Núcleo de Imagem da Folha de S.Paulo, recebe flores de sua equipe no dia da estreia do novo projeto gráfico do jornal. Foto: Daigo Oliva/Folhapress





Você também tem passagem pela Cases i Associates, escritório especializado em design de notícias e reprogramação editorial de jornais. Como surgiu o convite para trabalhar com eles? 


Rafaela Campani Nygaard me convidou em 2011 para integrar a equipe da Cases i Associates - hoje Sol 361. A ideia era abrir uma filial no Brasil. Os clientes brasileiros estavam aumentando, graças ao competente Chico Amaral. Conheci Rafaela no trainee da Folha e trabalhamos juntas alguns anos lá. O trabalho consistia em implantar e desenvolver projeto gráficos para jornais. Fiquei uns dois anos.


Que projetos gráficos assumiu neste período?


Comecei com a implantação do jornal A Gazeta (2011) em Vitória e redesenho do semanário Pampulha, do grupo O Tempo (BH). Também na implantação do O Globo (Rio), O Progresso (Dourados), Diário do Nordeste (Fortaleza), reajuste do Estadão e o redesenho do Jornal da Tarde (SP) - projeto nunca implantado, pois logo depois ele fechou. Além desses, tive oportunidade para trabalhar no redesenho do Correio do Estado (Campo Grande), Jornal da Cidade (BH) e do Comércio da Franca, no interior de São Paulo. Foi bem legal criar e implantar este. Foram quase dois anos viajando e aprendendo pelo Brasil.


Cases i Associats – Sol361. Criado em 1990, o escritório dedica-se a diferentes atividades na indústria jornalística, atuando como consultora das empresas de comunicação, na gestão e posicionamento de mercado, reconfigurando as redações e seus produtos digitais e impressos. O escritório conta hoje com sedes em Barcelona, Buenos Aires, Londres, Miami e São Paulo. É responsável por mais de 100 projetos





Não é de hoje que o fechamento de jornais ou o encerramento de versões impressas vêm sendo notícia e alvo de discussões em cursos de comunicação. A receita do meio jornal no Brasil sofreu uma queda de 11,6%, na comparação 2013 com 2014, com um bolo publicitário que alcançou R$ 46 bilhões e um crescimento de 1,5% até o início de 2015. O design de notícias trouxe melhorias para as publicações, mas parece que isso não atinge os índices de vendas. Qual o papel do design neste momento?


O design é um campo muito abrangente, está presente em todos os lugares. Tem poder tanto para melhorar como para acelerar o fim de um produto impresso. O bom design aliado a um bom projeto editorial é fundamental para levantar o número de assinantes. A função dele é traduzir da melhor forma as notícias, o didatismo gráfico.

A maior receita do jornal ainda vem dos anúncios. Acredito que em breve os assinantes terão um papel fundamental na subsistência do negócio. A leitura do jornal impresso é hábito e é inevitável a mudança dele a cada geração. Não é à toa que os assinantes digitais praticamente dobraram no último ano. Assim, a identidade visual precisa ser uma, assim o leitor reconhece o mesmo produto tanto no celular como no impresso. Você pode hoje reconhecer a infografia da Folha em todas as plataformas.


O tamanho da língua. "Este especial foi primeiramente estruturado para celular e depois desktop. O consumo da Folha digital tem, na grande maioria, leitores no celular. O número está quase em 70%. Por isso, nesta reforma investimos um tempo nas infografias e reportagens para o mobile, onde a leitura e compreensão deve funcionar mesmo nas menores telas. Neste material, a maior parte do conteúdo está no digital. Para o impresso foram produzidas breves matérias. O sabor deste especial são os vídeos", ressalta a editora do Núcleo de Imagem.





Como é ser responsável pelo núcleo de imagem da Folha de S.Paulo?


É um turbilhão de sentimentos: gratidão, tolerância e coragem. Entender que cada indivíduo é único e tem seu tempo é essencial. Não ter medo de ter gigantes ao teu lado (mesmo você sendo chefe deles), estes são os que te ensinam. O meu objetivo é melhorar a condição de trabalho de cada setor do Núcleo de Imagem, dar espaço para o crescimento profissional de todos. As necessidades são completamente diferentes, os tempos… tudo. O Núcleo de Imagem integra fotógrafos, designers gráficos, infografistas, ilustradores, cinegrafistas, editores de vídeo, designers programadores, pesquisadores, tratadores fotográficos e os coordenadores. Além de toda a equipe, com mais de 50 profissionais para gerir, tem as demais editorias e a Direção do jornal. É necessário ter uma visão global, para facilitar a organização.


Recentemente, a Folha de S.Paulo passou por uma mudança em seu projeto gráfico. No que consiste trabalhar no redesign de um jornal diário?


O redesenho de um jornal consiste primeiro em entender as limitações da Redação. De nada serve um desenho que não será perpetuado pela equipe. Então foi preciso voltar a todo momento no decorrer do projeto para adequá-lo à realidade. O projeto gráfico da Folha de S.Paulo começou em abril de 2016, com uma equipe mista (integrantes do Núcleo de Imagem, da tecnologia e sempre um ou dois jornalistas presentes e acompanhando – Camila Marques, José Henrique Mariante e Gustavo Simon). A primeira fase foi atômica e se deu muito sobre as questões tipográficas. Daí, partimos para a entrelinha, colunagem (entender limitações do mercado, largura dos anúncios), as questões da mobilidade e das telas (celulares, ipads e computadores) e como isso se amarra com o gráfico. Entender que essa letra será lida tanto no digital como na versão impressa é uma questão básica. Posteriormente, tivemos os estudos de cores, lembrar das visões subnormais, daltônicos – boa parte dos leitores do papel, por exemplo, são pessoas com mais de 60 anos. Então são testes, testes e mais testes para tentar igualar a cor no digital e no impresso. A legibilidade foi sempre algo perseguido. Aproveitamos o próprio jornal para testar as peças que formam a notícia.


Sexta-feira, 20 de abril de 2018. A Folha apresenta o novo projeto gráfico





Você tem então que lidar com uma centena de situações e possibilidades diariamente. Tomada de decisões rápidas, entre outras coisas. Poderia nos explicar um pouco da sua rotina na Folha?


Tenho que ser multiplataforma, assim como o jornal. É praticamente impossível ter uma rotina definida. O que tenho fixo na semana é a reunião com os editores e a Direção ao meio-dia de segunda-feira, os fechamentos da edição nacional (21h) e São Paulo do impresso (meia noite). O digital é uma constante. São muitas reuniões de especiais e reportagens que estão por vir ou mesmo em andamento, apagar incêndios (eventuais problemas), ir atrás de recursos e colaboradores. Ter ideias e incentivá-las, o tempo todo criando e solucionando. Diria que a minha rotina é bem caótica.


Bastidores. A equipe trabalhou durante meses na reforma gráfica da Folha. Na foto acima, os editores adjuntos Fernando Sciarra e Clauber Larré finalizam com Thea alguma página do novo projeto. Foto: Gabriel Cabral/Folhapress




Mudanças. 1. Estruturado sobre pesquisa, o projeto digital é responsivo e foi o primeiro a ser implantado (em fevereiro). Adapta-se a todas as plataformas, conectando-se visualmente entre os suportes por meio de uma harmonia tipográfica. 2. A fonte Folha Serif, criada pelo alemão Erik Spiekermann e pelo holandês Lucas de Groot para o jornal em 1996, tornou-se uma marca institucional; ela continua presente nas versões impressa e digital como elemento importante de identidade. 3. Os logotipos das editorias são agora mais leves, permitindo que o conteúdo seja o principal destaque de cada página. 4. A paleta é mais enxuta e está ligada às cores históricas da Folha (azul, vermelho e preto). 5. As grandes reportagens, com material fotográfico e infográfico especial, têm novos formatos e ganham diferentes destaques.





Microtipografia. As mudanças tipográficas promoveram também um melhor rendimento de espaço. No teste com o bloco de texto em 6 colunas, houve um crescimento de 15 linhas (1,94%) com a alteração para a Trola Text (corpo 11, entrelinha 11,3 e track de -10).

"Começamos por escolher a fonte Trola, mas depois alteramos ela toda com o tipógrafo catalão Jordi Embodas. Destes ajustes minuciosos nasceu a Folha Texto", acrescenta a editora. A proposta para o digital da Folha Serif (à direita) teve pequenos ajustes no desenho para melhorar a performance de carregamento e a visualização, eliminando microcurvas e diminuindo os nódulos do tipo, "o tipógrafo e designer Marcio Freitas fez um trabalho detalhista para não alterar o desenho e reduzir contundentemente o peso" explica.





Ilustrada. O caderno completa 60 anos em 2018 e resgata a sua irreverência gráfica vivida nos anos 80. Um dos nortes deste projeto gráfico é que o conteúdo dita a forma. Ele pode contaminar o logotipo, como acontece na edição dedicada a moda, onde o designer francês Christian Louboutin redesenha a marca.

Em outro caso, a ilustração afrofuturista invade por completo o logo, a qual tomou proporções maiores que a página, apresentando apenas as suas 3 primeiras letras (ilu). "O leitor consagrado da Folha de S.Paulo espera isso, que este suplemento de cultura o surpreenda", ressalta a editora.





Trabalho em equipe. Muitos profissionais participaram do redesenho e implantação do novo layout, entre eles, o designer Marcio Freitas, um dos responsáveis pelo projeto gráfico da Folha. Foto: Gabriel Cabral/Folhapress





No que consiste a sua equipe? Como é gerenciar com prazos curtos?


A equipe precisa ser diversificada para ser funcional. Para trabalhar com design de notícias é preciso ter a paixão por informar e servir a população. É ter a missão de esclarecer a sociedade para ela mesma. Trabalhar com esses deadlines curtos é instigante. É preciso gostar dessa adrenalina.

A equipe tem 52 profissionais contratados e colaboradores fixos - 10 designers gráficos, 8 infografistas, 16 fotógrafos, 5 designers programadores, 5 editores de vídeo e 8 editores adjuntos e assistentes. Trabalhamos com mais de 200 freelancers fotógrafos e ilustradores, a depender do que a reportagem peça, os convidamos. Diretamente e diariamente trabalho com 8 editores (4 adjuntos e 4 assistentes). A comunicação intensa é fundamental, tanto para eu saber como anda o fluxo, como para mudar o curso se necessário, claro. Destes diálogos saem as ideias mais ousadas e eficazes. O tempo é escasso e as decisões devem ser o mais próximo possível do que entendemos por “prontas”.


O Núcleo de Imagem conta com 52 profissionais: 10 designers gráficos, 8 infografistas, 16 fotógrafos, 5 designers programadores, 5 editores de vídeo e 8 editores adjuntos.





O design pode ser pensando e utilizado como ferramenta estratégica para lidar com os prazos?


Com certeza! Os profissionais mais capazes de gerenciar o fluxo do cotidiano são os designers. O Núcleo de Imagem também é responsável pelo controle de papel e, em parceria com a inserção, o posicionamento dos anúncios. A flexibilidade desta nova reforma gráfica possibilitou ordenar melhor o hard news (notícias quentes, do cotidiano). Nesta cobertura do protesto dos caminhoneiros, por exemplo, foi possível dar o tamanho adequado a cada reportagem. Anteriormente, sacrificávamos ou inflávamos o material para preencher uma página. Agora pensamos o espaço em colunas. Isso acelera nossa edição.


Para onde caminha o design de notícias?


Penso que histórias mais profundas, mais elaboradas, um hard news mais didático e certeiro. É preciso ter foco no didatismo sem perder de vista a velocidade e a criatividade. O que vendemos é edição, mastigamos o dia a dia para o leitor saber o necessário para o seu cotidiano.




Trilhos. A ênfase na verticalização do novo projeto permite que as editorias e matérias sejam pensadas não mais como páginas, mas como colunas. "O logo das cadernos ficou menos estridente. Agora utilizamos uma ferramenta de edição que chamamos de 'trilho'. A altura que ocupa a cabeça dos cadernos é a mesma nas páginas e capas internas. Ganhamos agilidade quando um assunto muda de lugar", explica a editora.





Você é sócia-proprietária de um bar-restaurante. Além do design, que outras atividades são do teu interesse e como elas te ajudam no dia a dia?


Sempre tive atividades paralelas com a carreira no jornal. Em 2008, colocava músicas com meu melhor amigo Ivan Finotti para os paulistanos dançarem (Astronete, The Clash, Fun House…). Em 2010 criei, com Ivan e mais 2 amigos, o clube noturno Alberta #3 (no centro de SP), onde fui sócia até 2014. Em 2012 abri o bar-restaurante Ramona com mais um punhado de amigos - Ivan também, ele é meu companheiro de aventuras dentro e fora do jornal.

Este ano, saí da sociedade por falta de tempo para dedicar ao negócio. Até 2016, enquanto editora de arte apenas, era possível levar um negócio em paralelo. Além disso, em 2012 tinha o Coletivo PWSP, fazíamos intervenções artísticas com post-its. E em 2016, com dois amigos, criamos a loja virtual Oito Minhocas - Cactus e Suculentas (@oitominhocas). Atualmente desenvolvo arranjos florais por encomendas. Tudo isso me ajudou muito no dia a dia do jornal. A conhecer e entender melhor os seres humanos, e trabalhar com eles em situações inusitadas.


Para terminar: uma citação que sempre te acompanha e inspira.


Gentileza gera gentileza





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