Érico Gondim
Entrevista — 2021
HOMO FABER
O designer de produtos Érico Gondim revela seu interesse e preocupação em transformar materiais em objetos com real significado. Com mais de 15 anos de atuação, Érico já realizou projetos para empresas e eventos, liderando trabalhos sociais com o artesanato para o desenvolvimento de produtos sustentáveis em empresas e comunidades no Brasil.
Formado em Design pelo Instituto Dragão do Mar e em Belas Artes pelo IFCE, realizou um Programa de Design de Estratégia Avançada no Instituto Europeu de Design (IED - Milão). O designer concluiu seu mestrado em Design de Produto e Espaço na Kingston University - Londres. Seu trabalho provoca uma estreita relação entre a indústria e o fazer artesanal.
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Luminária Tribo. Feita de palha de carnaúba, este projeto conta com a colaboração de comunidades artesanais do Ceará. Modelo: João Pedro e Fotos: Nicolas Gondim
Cadeira Ivy no espaço do arquiteto Rodrigo Maia - Casa Cor 2015. Fotos: Nicolas Gondim
Produzida durante o seu Mestrado na Kingston University de Londres, a cadeira Ivy ganhou espaço na Southbank Central London e na BrickLane durante o London Design Festival 2013. Posteriormente, o trabalho foi publicado na ArchExpo. No Brasil, a cadeira esteve presente na Casa Cor e foi destaque na Bienal Brasileira de Design de 2015, em Florianópolis. O que faz deste trabalho algo tão especial?
A cadeira IVY é um produto resultante de uma pesquisa e projeto chamado Growing Complexity como trabalho de conclusão do meu MA Design Product and Space em 2013, em Londres. O trabalho teve como direcionamento a exploração acadêmica e prática de estruturas naturais e artesanais em escalas e materiais diferentes utilizados em espaços e/ou produtos para o design contemporâneo.
É um projeto com um caráter especial. Ele me fez olhar para natureza da beleza matemática, a ter um olhar “de fora” e mais valoroso sobre a minha cultura local e nacional para explorar estruturas, formas e funções provindas do artesato indígena, como redes de dormir, a palha e um conjunto de tactibilidades possíveis e atraentes ao toque. Fazer um produto que pudesse representar Brasil e o Ceará, ao mesmo tempo, foi um desafio e um orgulho. A exposição da Kingston University em Bricklane em Londres foi uma ação dos próprios alunos da Universidade. De volta ao Brasil, me abriu a possibilidade de participar da Casa Cor Ceará, bem como da Bienal de Design. Isso me deixou ciente do que sou capaz como profissional se eu me dedicar!
Cadeira e luminária Ivy. Major Project for MA Product and Space Kingston U.London, 2013
A estética material cearense permite uma conciliação entre o artesanato e a indústria? Existe ainda muito trabalho a ser feito sobre isso?
Sim, permite. Por que não? Colocar limites entre estas duas atividades é assumir que não podemos chegar a resultados inovadores. Sabemos que o artesanato precede a indústria e, ainda que possa ser algo mais lento, pensando em produtividade, o artesanato carrega alma, cultura e identidade. Não é só a estética. São os processos e técnicas que pertecem a uma cultura e lugar. Precisamos pensar além: de forma mais integrativa e sustentável. Acredito em pesquisas multidisciplinares, entre arte e ciência, biologia e artesanato, engenharia e ancestralidade. É o pensamento para o futuro. Existe sim muito trabalho a ser feito através do design, desde situações mais “simples”, sobre a valorização da iconografia local, a mudanças de hábito, sobre o consumo e a produção.
Não é só a estética. São os processos e técnicas que pertencem a uma cultura e lugar. Precisamos pensar de forma integrativa, sustentável e complementar. Acredito no potencial multidisciplinar, entre arte e ciência, biologia e artesanato, engenharia e ancestralidade.
Célula. Esta coleção apresenta objetos de arte e objetos funcionais para decoração. O projeto tem base na geometria triangular ou matemática da natureza comum a todos os organismos vivos. Encontra também como referência a síntese geométrica das folhas da carnaúba e os trançados desta mesma palha.
O que te levou ao design de produtos?
Desde cedo, ainda realizando pinturas autodidatas, me interessei por técnicas de representação tridimensional. Foi então que viajei para um intercâmbio na Inglaterra, onde pude realizar pequenos projetos de produtos dentro de uma oficina de Design and Technology. Percebi que lá, artes e design, são disciplinas de fácil acesso já a partir dos treze anos de idade. Desde então, mesmo com minha paixão por artes gráficas, o design de produtos se tornou uma ideia de direcionamento futuro. Mesmo atuando por anos com o design gráfico, me arrisquei em cursos e projetos de cenografia, de embalagens, de exposição, de livros, de moda, de produtos e de artesanato e através do Sebrae, Ceart, clientes particulares, dentre outros. Creio que essas múltiplas experiências me levaram a me desafiar em algo que ainda acho complexo mas prazeroso: tornar ideias tangíveis. Talvez por isso, continuo fazendo.
Processos. Rascunhos para protótipos de embalagens
Você faz parte de uma das primeiras turmas de profissionais com formação no Ceará, ainda no início dos anos 2000. Que lembranças tem daquele período?
Sim, o Centro de Design do Ceará do Instituto Dragão do Mar foi onde tive uma das experiências mais completas em design. Tivemos uma seleção com aproximadamente 320 pessoas, mas apenas 25 entraram. Era um curso gratuito porém intensivo. Um curso com uma bagagem de conteúdo e intensidade, de realização de projetos e apresentações a uma banca exigente, quase sempre semanal. Foi uma experiência generalista onde aprendemos a pensar, pesquisar e desenvolver projetos de design em horário cheio de 8hs dia, por 2 anos. Só íamos pra casa pra jantar e dormir. As disciplinas variavam entre antropologia, semiologia, desenho, design gráfico, ambientação, produto, análise de valor, prototipagem manual, artesanato, dentre muitos outros. Diferente de hoje, tínhamos pouquíssimos recursos. Inicialmente, quase não tínhamos acesso a computadores. Tivemos contato com profissionais nacionais e internacionais, bem diversificados, da academia e com atuação no mercado. Acho que isso incentivou a muitos que passaram por lá.
Antes de me formar eu já ensaiava uma empresa de design, realizando pequenos trabalhos reais com outros colegas nos tempo livres. Mas ninguém falava muito sobre a área. Interessante que, foi justamente neste período que surgiram algumas oportunidades, como a Cadeira Canguri, desenvolvida para Tiago, uma criança com atrofia muscular espinhal; uma Geodésica para eventos de Informática, a criação de um modelo de colete para motoqueiros, além de projetos gráficos, de embalagem e cenografia para moda. O meu foco era diversificar para ter experiência e uma visão ampla das áreas de atuação criativa. Ainda não satisfeito e também porque o curso não era reconhecido, fui ser “cobaia” nas primeiras turmas de Artes do IFCE, depois uma pós em moda no Marista e um outra em Design Estratégico pelo IED/SEBRAE.
Mesa Vibra. Fotos: Nicolas Gondim
Luminárias Corrupio feitas com o reaproveitamento de sacos plásticos do lixo aumentando o ciclo de vida do material. Parceria com Studio RatoRoi.
O que significava pensar em design e o que mudou na cena local?
Aprendi e sempre pensei em design como uma atividade que promove a qualidade de vida do homem nas suas mais diversas variantes e ramificações. Existia um direcionamento mais focado na indústria, mas nem ela aqui no Ceará soube absorver o que tínhamos a oferecer naquela época. Assim, seguíamos para outras áreas, lutando por alguns reconhecimentos, abertura de grupos e uma associação. Sempre pensei na atividade do designer como um catalisador para múltiplos conhecimentos e profissões. É multidisciplinar e envolve planejamento, pesquisa, indústria e manualidades. Hoje não penso diferente, e acho que seja uma responsabilidade colocar algo no mundo para outras pessoas. Se conseguimos melhorar o comportamento do outro com a prática do design, é um ganho significativo!
Vejo a cena local hoje com grande potencial na mão. Temos muita gente criativa, alguns grupos atuantes e instituições interessadas. Não foi à toa que Fortaleza conseguiu o reconhecimento da UNESCO para Cidade Criativa do Design. Mesmo com isso, ainda há algo muito pulverizado. Sinto falta de uma força maior, de mais colaboratividade. Acho que herdamos uma auto estima baixa, sobre achar que somos menor que outras culturas no Brasil, isso está ainda no nosso imaginário cultural. Eu acredito na gente. Em 2019, com esse propósito, retomamos a Associação Ceará Design. Também abrimos para estudantes, mas a adesão ainda é fraca. Acredito que muitos devem pensar: por que trabalhar com uma classe que não me apresenta algo tangível em troca? Ainda que estejamos nesse período imediatista, acredito que percebemos o valor do trabalho em conjunto, como grupo e setor para a sociedade. O momento de construir isso é agora!
Mobiliario. vAIEvEM e Mesa Vibra
Você participou do Reality Project com Jum Nakao, no Dragão Fashion Brasil.
Sim, foi uma mostra de moda em um espaço de experimentação do Senac-CE. O projeto teve a direção criativa de Jum Nakao em parceria com o Dragão Fashion. Foi uma ação inovadora para o evento. Na época o Senac reuniu 20 profissionais do ramo. Estilistas, designers e artesãos para criarem juntos em apenas 5 dias de forma intensiva uma coleção a ser desfilada no último dia do evento, com o público acompanhando ao vivo, in loco e online, todo o processo. Eu fui um dos participantes que igualmente colaborou criativamente com o desenvolvimento de 22 looks. Arames, couro, tramas artesanais em linhas, tecidos, recorte a laser, costura manual. Tudo colaborativamente. Isso deu vida a um conjunto de peças dotadas de uma carga cultural nordestina imensa. O resultado foi a coleção A Hora do Brasil, realizada por muitas mãos. Foi incrível! Guerreiras imponentes e sensuais, desfilaram na passarela e impressionaram a plateia.
No mesmo ano, meu estudio, o DMZ - em parceria com Sergio Melo - realizou a cenografia de entrada do DFB2012, fomos também chamados para realizar junto com Jum Nakao a cenografia do mesmo desfile em São Paulo. Foi quando desenvolvemos também o catálogo da coleção com as fotos do evento, permeando os conceitos elaborados no Reality. Isso abriu espaço para realizar e montar pessoalmente uma exposição sobre o projeto na Embaixada de Londres, em 2019.
Projeto Indústria Criativa - 13ª edição do Dragão Fashion Brasil 2012. Idealizado pelo estilista Jum Nakao, o projeto foi o primeiro Reality Show de Moda realizado durante os cinco dias do evento. Vinte participantes, entre artistas, designers e estudantes, criaram a partir do tema Breve Manifesto pela Redescoberta do Paraíso Brasileiro, uma coleção de 22 looks conceituais, com a liderança do estilista Jum Nakao que desfilou no último dia do evento, encerrando a semana da moda. Fotos: David Motta
Meu coração coroado Espedito Seleiro. Exposição desenhada para o SENAC e realizada na Embaixada do Brasil em Londres, 2019. Fotos: Daniela Luquini
Muito se fala sobre o papel transformador do design, seja na indústria ou no pequeno negócio. Parece contraditório e difícil pensar em sustentabilidade, ou em projetos para o bem de uma transformação que atinge outras gerações dentro de um mercado tão imediatista. Como você enxerga isso? Transformar não significa pensar no futuro também
Desenvolver produtos não é uma tarefa fácil e para serem sustentáveis, acho que é um desafio. Raramente se faz um produto inteiramente sustentável, uma vez que uma parte do ciclo de vida do produto pode não atender estes requisitos, seja no material, na durabilidade ou no descarte, por exemplo. É, por enquanto, mais caro. Exigem processos mais lentos ou novos.
Acho fundamental observar a filosofia Cradle to Cradle (do berço ao berço), que pensa em produtos que fazem todo seu ciclo de volta à natureza sem prejuízos. Se pensarmos bem, a sustentabilidade não tem a ver somente com o aspecto ecológico, mas com responsabilidade social, com efetividade econômica e com uma mudança de comportamento que favorece o meio em que vivemos. Sempre penso nisso, e adoraria explorá-lo mais. Pensar no futuro, em produtos inovadores e mais responsáveis, faz parte da nossa atenção como designers.
Dragão de Cristal. Instalação de moda para DFB 2014
Fashion Paper Acessories. Este editorial produzido para revista Seven em 2009, explora o design de produtos de moda e sua criação a partir de materiais frágeis e não usuais. Fotos: Nicolas Gondim e Produção: Marcos Marla
Você trabalha em outros campos do design, assina projetos artísticos e instalações. Ainda estamos dentro de uma discussão infantil ou metodológica ao separar arte e design? O artesão é um artista e um designer
Eu acho que ficamos muito preocupados com a ideia de nos encaixar nisso ou naquilo, artistas ou designers. Nós compartilhamos de conhecimentos similares. Algo que pode vir da ciência, da arquitetura, da sociologia, da biologia, da engenharia, ou até mesmo de experiências não necessariamente acadêmicas, que nos faz criativos e provedores de soluções. Somos ricos em experiências múltiplas, e o nosso conhecimento tácito pode nos dar uma pista do que somos capazes de realizar. Isso é algo individual. Se sou capaz de pensar e criar algo, por que não fazer? Temos sempre que estar presos a estilos, tendências e metodologias acadêmicas?
Acredito que arte seja diferente sim do design, principalmente na intenção, no propósito, no processo. Para facilitar o entendimento de muitos quando me perguntam eu procuro explicar traçando uma linha onde coloco a arte de um lado e a indústria do outro. Não porque são opostos. Mas porque são complementares. Muitos dizem que o design está no meio desta linha. Na minha visão, ele permeia toda esta linha, seja ela com direcionamento mais conceitual, ligado a arte, seja com um direcionamento mais técnico, produtivo e tecnológico.
Eu me considero um designer, um artista, e posso até dizer que um artesão muitas vezes, não me oponho a isso. De uma forma ou de outra eu descobri que, ainda que diverso, meu trabalho comunga com estéticas e filosofias muito próprias. Ao que se refere à produtos autorais, procuro focar na sustentabilidade. Para outros, na interatividade tátil e visual homem x objeto.
Dragão Fashion 2012.
Estudo para Instalação Criativa
Quem são as suas principais referências no campo criativo ou no design de produtos?
Procuro hoje ter um repertório de referências bem diverso. A maioria está ligado a linguagens de composição com bases na estrutura, na potencialidade dos materiais, na natureza, na arte cinética, na biotecnologia, no aspecto lúdico e interativo. Designers como, Flávia Aranha, Sergio Matos, Domingos Tótora, Heatherwick, Neri Oxman, Iris Van Herpen e artistas como Luís Hermano, Henrique Oliveira, Olafur Eliasson e Ivan Black, por exemplo.
Primeiros desenhos de projetos. Public Seatings and Glass Holders, realizados durante o curso de Design and Technology na Wreen School GM - Inglaterra, 1996
Cobogó Molusca. Ganhador do prémio Meu Cobogó - Manufatti Revestimentos
Que conselhos você daria para quem está iniciando seu caminho no design de produtos?
Eu acho que levei muito tempo para encontrar minha essência. Às vezes me vejo nesta busca. Mas de fato, ela esteve sempre ali, só precisava de algum reforço, de alguma experiência para ter certeza do que realmente me atrai. Aos poucos o caminho vai sendo formado e, o que não é pra ser nosso, vai sumindo naturalmente.
Eu sempre fui muito inseguro, mas ao mesmo tempo persistente e até ousado quando penso nas diversas buscas por experiência. Sempre adorei um desafio. Se alguém me perguntava se eu sabia fazer, eu dizia: sei fazer sim. Muitas vezes eu não sabia, mas ia atrás de fazer. E é como penso que os alunos e recém formados devem agir.
Meter as caras, deixar o medo de lado. Sente medo? Vai com medo mesmo. Procura entender os problemas que precisam de uma solução, seja ela possível ou não. Não descarte algumas possibilidades, procure representar as tuas idéias com desenhos ou porcótipo (protótipo porco). Seja curioso sobre como as coisas são feitas, colete amostras, visite e veja os processos de ordem industrial ou artesanal. É preciso saber que um projeto nem sempre dá certo. O designer tem que aprender a ter esse filtro prático e sensível, para pensar em como o que se coloca no mundo pode afetar outros mais a frente. O resto é trabalho, trabalho e trabalho!