WE CAME FROM SPACE / NON-VERBAL CLUB
Planta Baixa & Cardiogramas — 2017




PLANTA BAIXA { BASE LUNAR


Uma plataforma de trabalho, pesquisa e intercâmbio de conhecimentos. É desta forma que podemos definir a We Came From Space (WCFS), espaço criativo que se transforma desde os anos 2000, hoje reconhecido por sua expressão em diversas áreas do design. O conceito central deste projeto se apoia nos três vértices de um triângulo, bem como nas possibilidade de ligação.

Cada designer age simultaneamente como professor, profissional e estudante. Assim, este coletivo expande sua rede de atuação e conecta-se de forma inteligente com a cidade, aumentando seu potencial de ação.

Para seus fundadores, a WCFS foi criada para repensar modelos tradicionais de trabalhos. Segundo eles, isto é possível graças a gama de habilidades e respostas dadas ao apostar na investigação, formação e apoio à jovens talentos. A organização é hoje uma referência em espaço colaborativo aplicado ao pensamento criativo, o que inspira empreendedores e profissionais da área. Uma prova de que o design é também uma atividade social.




Website
Behance



1º andar. A sala compartilhada da WCFS reúne profissionais e estúdios de diversas áreas



CARDIOGRAMA { VERBALIZAR


Designers, professores e coorganizadores do coletivo We Came From Space, João Martino e Miguel Almeida integram, ao lado de Joana Sobral e Susana Almeida, o estúdio de design Non-Verbal Club, outrora Atelier Martino&Jaña. Com um trabalho criterioso, apresentam vasta experiência e têm em seus portfólios projetos para clientes como Nike, NBC, Serralves, Capitais Europeias da Cultura do Porto e Guimarães. Aqui nos falam sobre história e o cuidado com o design gráfico em sua prática.


nonverbalclub.pt




João Martino e Miguel Almeida




Como surgiu a ideia para este espaço?


João Martino — Isso é uma história longa. Tem a ver com nosso estúdio, na altura Martino&Jana (hoje, Non-Verbal Club). Já naquele período (início dos anos 2000), funcionávamos muito colaborativamente e convidamos algumas pessoas para trabalhar conosco. Basta dizer que esta mesa era do estúdio antigo. Na altura em que éramos 4, passamos para 8. Havia sempre gente nova, sempre pessoas a trabalhar com eles, a partilhar o espaço. Então, quando começamos a crescer, a ideia foi: porque não partilhar isso com essas pessoas? Assim, nós ajudamos e recebemos ajuda.  Basicamente, a ideia era criar algo que pudesse servir de rede, de apoio a jovens talentos que estavam a se lançar. No fundo comprar este tempo, dar este tempo, para experimentarem o seu talento, o trabalho, os clientes. Mas logo passamos para 12, 14 pessoas e, aos poucos, deixamos de ter espaço. Mas estou pulando muitas etapas aqui.

A seguir, na altura em que nos convidaram para criar a comunicação visual do projeto Guimarães Capital da Cultura (2011-2012), o que propusemos mais uma vez foi que: uma capital da cultura não deveria ser entregue a ninguém, mas estar dentro de um projeto capaz de responder suas necessidades de forma coletiva. Então, mais uma vez, o que propusemos foi uma espécie de escola-estúdio, em que basicamente nós traríamos sim designers já com alguma experiência e pessoas novas para o projeto. Eles ficaram entusiasmados com a ideia, mas novamente isso não aconteceu. Então pensamos: se ninguém faz, fazemos nós! Foi aí que criamos esta associação, a We Came From Space (WCFS), com algumas premissas. Uma delas é que seria também um espaço para a troca de saberes e de investigação sobre nossas práticas.

Mas como é que se faz? Sou professor há 18 anos e já vi muitos talentos passarem por mim, talentos incríveis, e já vi muita gente perder-se no caminho. Uma das maneiras de se adquirir conhecimento e maturidade mais rapidamente, ao meu ver, é ensinando. Por algumas razões óbvias, pois você precisa desmontar o teu processo para conseguir repassar isso e outras coisas até mais sutis, que talvez sejam as mais importantes, quando percebe que as perguntas que faz aos alunos são perguntas que faz a ti mesmo. Assim, todos que são convidados a trabalhar neste espaço tem a missão de partilhar o seu conhecimento.


O coletivo WCFS reúne profissionais de diversas áreas, o que permite o acesso imediato à diferentes cursos e práticas




Então é o ensino e a partilha de conhecimento que conecta todos aqui.


João Martino — Sim. Se quiseres explicar rapidamente o que é este lugar, pode dizer que é um cowork, mas não é só isso. O cowork não prevê que as pessoas que estão a partilhar aquele espaço tenham um projeto comum: a WCFS é o projeto comum. É então um espaço de conhecimento, de investigação. Um dos motivos por termos aquelas máquinas no primeiro piso, como a risografia, equipamento de serigrafia, ou a letterpress... é que pensamos em criar um paraíso para os designers. Hoje, se tu tens algum tempo livre, podes ir lá e imprimir pra ti, o que tu quiseres, tens tudo aqui, percebe? Então somos essa mescla de coisas. Usando uma frase pronta que gosto muito: é mais fácil sobreviver como uma floresta do que como uma árvore. Então, estamos sempre mais fortes com toda gente, melhores, mesmo a nível profissional, e já tivemos várias provas disso. Aqui temos vários estúdios, designers, mas também temos fotógrafos, videomakers, developers, arquitetos, pessoas com muitas aptidões.


A WCFS possui uma forte relação com técnicas e processos manuais. O que o design gráfico perdeu com o abandono de certas técnicas?


Miguel Almeida — Acima de tudo, se nos propomos a ser uma plataforma de investigação, temos consciência de que há coisas muito interessantes nos dias de hoje acontecendo com tecnologias de ponta que nos permite fazer coisas incríveis. Nós andamos todos os dias com um telemóvel no bolso que é mais potente do que um computador que tínhamos dez anos atrás. Sabemos que acontecem avanços inacreditáveis e sabemos que há coisas que eram feitas 100, 50 anos atrás que as tecnologias de hoje já não conseguem replicar. Não são piores ou melhores, estou dizendo que elas têm características diferentes, maneiras de reprodução e de comunicação diferentes. E sobre esse aspecto pensamos o porquê de estarmos presos às tecnologias do passado ou às de hoje. Se conseguirmos juntar as duas, usar as duas, extrair o melhor de uma, o melhor de outra, já é excelente. Podemos usar as duas e descobrimos o novo quando misturamos.

João Martino — Perdeu a sensualidade. As pessoas estão cada vez menos habituadas a sentir o cheiro, a sentir a textura das coisas. E pra mim existem outras questões: eu acho que como a fotografia e outras profissões perdemos uma boa parte dos especialistas. É um bocado como o do it yourself. Basta andar pelo Porto e ver as casas antigas. Elas têm as portas feitas de uma maneira. Por que? Porque quem fazia a porta não fazia mais nada e pouca gente sabia fazer daquela maneira. Acho que no design gráfico havia um bocadinho disso. Nas artes gráficas, aquele senhor era um especialista em impressão, em arranjo tipográfico. Se é verdade que nós ganhamos imenso com a revolução digital, perdemos o brio profissional no sentido das coisas serem perfeitas, da atenção ao detalhe, ao acabamento.


Miguel Almeida — A principal mudança promovida pela revolução tecnológica foi o tempo. Falamos com um cliente que está do outro lado do mundo sem problema nenhum. Consigo ter algo como 40 pessoas numa janela do computador a conversar comigo. Se pensarmos no que implica fazer uma impressão tipográfica. Se já tiveres os tipos tens que fazer uma composição, fixar, pensar em como vai imprimir, o papel, a tinta, a secagem… tudo isso implica um cuidado e demanda tempo. Tu passava por uma série de processos que não podia apressar. Porque se tu acelerar, aquilo sai mal. Sabias que as coisas demoravam um tempo e que precisava se dedicar para saírem bem. Era um bocado daquela velha expressão “da o mesmo trabalho ou leva o mesmo tempo fazer uma coisa bem ou fazer uma coisa mal”.

João Martino — Pensando novamente aquilo da fotografia, hoje, com as máquinas digitais, podes tirar 10, 50 ou 100 fotos para escolher uma. Faço a mesma analogia com o material impresso: tu, alguns anos atrás, tinhas rolos de filmes que eram caros, então tu tinhas que saber muito bem o que estavas a fazer, pois depois só veria o resultado mais tarde. Isso te levava a ter um cuidado extremo e a ser o especialista.



Com o abandono de algumas práticas, o design gráfico perdeu a sensualidade. As pessoas estão cada vez menos habituadas a sentir o cheiro, a sentir a textura das coisas. Se nós ganhamos com a revolução digital, perdemos o brio profissional, no sentido das coisas serem perfeitas, da atenção ao acabamento, ao detalhe. — João Martino



Miguel Almeida — Eu acho que não é apenas a questão do especialista e do generalista. É mais complexo do que isso. Por exemplo: politicamente ou filosoficamente não tenho nada contra a democratização do processo, acho que é uma premissa interessante tu oferecer a pessoas que normalmente não conhecem as ferramentas para que sejam capazes também. O problema é quando isso desvaloriza quem realmente sabe fazer. Não é a mesma coisa o trabalho de um fotógrafo frente a foto feita por alguém em um telemóvel.


Como bate o coração de um designer que vive em uma cidade histórica e, ao mesmo tempo, capaz de expressar o contemporâneo?


Miguel Almeida — Eu nasci no Porto, sempre vivi no Porto e tenho muitas dificuldades em me ver em outra cidade. Não digo que nunca viveria, mas tenho algumas dificuldade em Imaginar. De alguma maneira há uma série de coisas que são associadas aos portuenses; uma série de personalidades, bairrismo e, sinceramente, alguma arrogância sobre como encaram as coisas. Acho que se reflete na cena da cidade e no design gráfico uma forte influência inglesa. Havia uma expressão tipográfica que agora está se perdendo. Desde pequeno me fazia olhar para aquilo, como um letreiro de café em neon, ou algo assim. A cidade tinha alguma coisa que era fascinante para um designer. Acho que isso mais tarde veio revelar, ainda que eu não seja a melhor pessoa para dizer isso, um estilo próprio, como encontramos na arquitetura. Não acho que alguma coisa se reflita diretamente no design gráfico o fato de ser uma cidade histórica.

João Martino — Mas acho que podes ligar isso a outra coisa. Talvez ao contraste que hoje se nota muito, que há 15 anos não era tão perceptível. Pensa, por exemplo, na diferença entre Lisboa e Porto. A cena do design em Lisboa praticamente não existia, embora existissem neste período as agências de publicidade, mas a cena do design, requintado, cultivado, não. Isso existia no Porto, essencialmente. Tem a ver até com o dinheiro, com os recursos de cada uma das cidades. Não fazia muito sentido ter aqui grandes agências, o que levou aos pequenos, aos designers individualmente, florescerem aqui nesta cidade.

Miguel Almeida — Há também a questão da dimensão. O Porto tem um tamanho que permite uma contracultura imediatamente acessível. Em Berlim, se quer fazer uma festa que ninguém saiba dela: é possível. São 50 festas ao mesmo tempo, ou mais, 50 exposições, 50 acontecimentos. No Porto, não. Toda gente se conhece ou conhece alguém que sabe. Há também uma tradição histórica de que aqui no Porto fervilham movimentos culturais. A maior parte dos grandes movimentos culturais começaram no Porto, a música, a literatura, artes plásticas, escultura, arquitetura. E acho que isso se refletiu no design. Quando este começou a se afirmar acontecia como um movimento cultural. Era muito comum pensar: quero estudar design, vou para o Porto.


Isso torna possível criar uma cena local?


Miguel Almeida — Em Portugal isso é particularmente notório. Há um expressão bastante corriqueira que diz “nós estamos no cu da Europa”. É um país periférico em relação ao resto e sofremos com isso. Pensa nos grandes movimentos artísticos que chegam atrasados e que naturalmente parecem durar mais tempo aqui. Caminhando em direção a contemporaneidade, isso continua a manifestar-se. Os grandes artistas iam para Paris, Londres... depois voltavam e traziam essas influências pra cá. Hoje eu consigo ver Tokyo e Nova York ao mesmo tempo. A internet mudou completamente o paradigma do consumo de informação. Tu consegues saber a cena musical, da moda, a contracultura de outros países facilmente, bem como a cena do design.

João Martino — Mesmo nós, que somos obcecados por tipografia e percebemos a cena de outros países, podemos ter algo mais emocional em nosso trabalho. Um francês trabalha de forma mais latina? O que me parece é que são as preocupações que se mantêm. Percebe isso? São diferentes e criam particularidades.


No térreo da WCFS podemos encontrar uma estrutura pronta para impressões e aplicação de oficinas e técnicas manuais. Atividades comuns dentro da proposta local.




A tendência é um termômetro?


Miguel Almeida — A tendência é importante. Não como algo que eu devo fazer, mas como algo que eu devo observar. Posso tirar daquilo alguma coisa. Quando tu és designer isso é útil: se esse estilo esta a aparecer, o que é que tem de interessante, o que pode se chocar com teu trabalho, o que pode acrescentar, o que eu posso absorver e o que eu preciso deixar de lado. Acho uma cagada alguém dizer que está a fazer algo com o Estilo Suíço e, quando vais ver, não tem nada daquilo. É contranatural. Vai precisar encontrar depois uma lógica para o estilo.

João Martino — Tudo que se passa no mundo, a nível de design, que tu podes encontrar no teu desktop por meio da internet são um termômetro. O que importa é a tua triagem. Tem muito mais a ver com a tua individualidade, com tuas paixões. Eu diria que minhas outras paixões são a astrofísica ou filosofia, o cinema, uma série de coisas que não têm nada com design gráfico, propriamente.

Miguel Almeida — Eu até acho que é ainda menos inspirado no design gráfico. Claro que todos nós gostamos de ver coisas bem feitas, há imensos projetos que eu olho e digo, “fixe, quem dera ter sido eu”, e são coisas de fato inspiradoras.

João Martino — Mas tem a ver com o que tu vê naquilo. O que consegue extrair. Mais uma vez acho que é a triagem que fazes de forma racional, intelectual. Acho que o problema é quando vê apenas o visual. Comumente somos mais inspirados por um bom raciocínio do que por uma foto, ou um projeto em alguma página do instagram.


Jornal para o projeto O Tempo e o Modo, para um retrato da Pobreza em Portugal. O cuidado e a expressão tipográfica em projetos editoriais são algumas das principais características do trabalho desenvolvido pelo estúdio Non-Verbal Club.




O raciocínio tem mais peso nos processo?


João Martino — Acredito que o racional e o emocional são importantes e estão ali presentes ao mesmo tempo. Faço uso de ambos constantemente. Se for só emocional, não consigo dar valor. Se for só racional, não tenho empatia com o que faço.

Miguel Almeida — Acho que o trunfo está mesmo no equilíbrio. Algumas coisas que tu começa a fazer emocionalmente e depois pensas que precisa encontrar uma lógica para isso, ou o contrário: quando estás a fazer uma coisa muito racionalmente e percebe que não há empatia. É óbvio que nós temos uma série de conhecimentos empíricos acumulados, uma maneira de refletir, e a disposição com que tu estás naquele dia influencia a maneira com que tu olhas para a coisa. Coisas tão simples como por exemplo: se o Porto, time de futebol, tiver um resultado negativo, no dia seguinte eu vou olhar para as coisas com mal humor.

João Martino — Nestes processos existem ainda coisas que precisam ser vistas. Na maneira com que trabalhamos eu não sei o que é meu e o que é dos meus colegas. Porque nós aqui no estúdio temos um método, um processo criativo, um pouco diferente do normal. Nós partilhamos o nosso arquivo e, uma vez que normalmente fazemos um trabalho de cada vez, eu não sei até que ponto a minha influência, a minha pesquisa, influenciou mais em um projeto. Estamos todos a trabalhar com o mesmo arquivo e o resultado é uma mescla de tudo isso. Esse conjunto tem, obviamente, a personalidade individual de cada um, o que dirige o trabalho é a busca por uma lógica. É então que o trabalho cresce e fica inteligente.


O projeto é maior que o estúdio.


João Martino — Sim, o projeto é maior que o estúdio. E ele às vezes quer caminhar para uma direção e precisamos perceber para onde ele quer ir, precisamos deixar ele seguir o caminho que deseja. Isso requer maturidade do designer, do estúdio.


Esta é a última de 4 entrevistas do livro Planta Baixa & Cardiogramas, realizadas em 2016 com estúdios na cidade do Porto. Textos, infografias e fotos por Felipe Goes. Agradecemos aqui imensamente a colaboração dos estúdios que abriram suas portas e permitiram a realização deste trabalho: DSType, na pessoa de Dino Santos; Bolos Quentes, na pessoa de Sérgio Couto; White Studio, na pessoa do professor Eduardo Aires; o coletivo We Came From Space, na pessoa de João Martino e Miguel Almeida.






Continue lendo ︎︎︎ Eduardo Aires / PB&C


Para mais informações e sugestões, escreva para: ola@felipegoes.com


©2024. Felipe Goes