EDUARDO AIRES / WHITE STUDIO
Planta Baixa & Cardiogramas — 2017



Rua Alexandre Braga, N° 94, 1.º Esq. Porto - Portugal



TERROIR { DESIGN


Baseado na cidade do Porto, com escritórios em Londres e Santiago do Chile, o White Studio pode ser definido como um ateliê de design multidisciplinar. Dentro do seu espectro de possibilidades, encontramos trabalhos para o impresso, digital, editorial, sistemas de sinalização, embalagens e interiores.

Com mais de duas décadas de atuação, atende clientes como Câmara Municipal do Porto, Casa de Mateus, Clérigos Restaurant, Esporão, Gmund, Gulbenkian, INCM - Casa da Moeda, Porto Editora, Serralves, Teatro Municipal do Porto e Alila Roncão Hotel.

O estúdio já recebeu diversos prêmios internacionais, dentre estes podemos destacar o Asiago Philatelic Fine Art Awards 2011, Graphis Gold Award 2012, Silver Pentawards 2013 e o Red Dot Communication Design.

Em 2014 foi responsável pela reconfiguração visual da identidade da cidade do Porto, um projeto reconhecido internacionalmente e responsável por premiar o estúdio com o D&AD Pencil, Brandemia Award e o Edwards.




O novo visitante pode notar que rótulos e embalagens para vinhos estão entre as demandas do estúdio, o que faz do lugar algo semelhante a uma adega.





CARDIOGRAMA {
EDUARDO AIRES


Beatrice Warde afirmou em seu famoso artigo que o bom design deve ser como uma taça de cristal, capaz de revelar o seu conteúdo. É como branco que existe entre estas letras ou o silêncio que torna a música possível. A boa forma é como um vinho que se deseja cuidar e degustar: pede atenção com o tempo para encontrar o ponto ideal.




Eduardo Aires (1963) é o fundador e o diretor de arte do White Studio. Iniciou sua formação acadêmica na Alemanha, passando por Coimbra e depois pelo Porto, onde concluiu em 1987 o curso de Design de Comunicação da Faculdade de Belas Artes. Neste mesmo ano foi admitido como docente no Departamento de Design, onde ensina atualmente. Seu trabalho é hoje reconhecido em muitos países e se tornou uma referência para profissionais e estudantes da área. Nesta entrevista, nos fala sobre sua trajetória, projetos, rotinas e sobre como o design não pode ser praticado sem paixão.



Em que momento surgiu a ideia para montar o estúdio?


Não há uma estratégia prévia para formação de qualquer tipo de estúdio, não é? Eu acho que ao longo de minha vida tudo aconteceu naturalmente. Eu acabei o curso em 1987 (Design de Comunicação da FBAUP) e diria que até o terceiro ano tinha uma consciência do que era ser designer, mas no quarto e no quinto ano tive uma espécie de despertar. Tive um desempenho que chamou a atenção do corpo docente da escola e de um colega meu. Eu próprio não tinha um horizonte sobre ser professor da faculdade ou ter estúdio, me interessava muito mais a atividade ligada à prática, às artes gráficas.

Depois acabei o curso e recebi um convite deste amigo para dividir o aluguel de uma sala. E então a minha ideia com um ateliê de design começou aí. Mas não em termos um espaço em conjunto, uma sociedade. Tanto é que ele exercia uma atividade muito mais ligada às artes plásticas: ele pintava e eu fazia design.

Entretanto, começaram a surgir projetos que interessavam aos dois. E com essa mesma naturalidade as coisas aconteceram. Fui ganhando mais clientes, mais contatos, começamos a trabalhar mais tempo e em mais projetos comuns. Mas aos poucos comecei a perceber uma vontade em ter um espaço meu. O tempo passou e, posteriormente, cheguei a ter uma estrutura com muita gente, por volta de 20 pessoas, estávamos nos anos 1990, nesta altura. Portanto, alcancei essas etapas de forma gradativa, em um processo de acumulação, de conhecimento, de experiência. Não houve aqui uma estratégia sobre algo para dizer: “agora vou então trabalhar com design, dois anos assim, daqui há seis anos estou ali ou acolá”. Na minha vida não faço previsões. Nem para o dia seguinte, digamos assim. Sei o que vou fazer amanhã, é uma forma de dizer, mas evito previsões.


De que ano é o White Studio?


Esta é uma pergunta que tenho me feito várias vezes e, para ser honesto, eu acho que o White Studio é de 1987. Ele está na origem. Enquanto este modelo ele é recente. Mas antes era Eduardo Aires Design e antes disso era o Quatro Cores. É basicamente uma questão de embrulho, de apresentação.


Um planejamento mais aberto se reflete em um processo mais emocional?


Acho que o emocional está sempre presente. É o primeiro elemento. É o que eu também tento ensinar aos estudantes. O racional vem apenas para dar forma e estruturar o discurso, para permitir que os outros o entendam. Mas o emocional está sempre na primeira linha, sempre. Para mim ele está ligado ao desenho, o desenho enquanto gramática exploratória. É o que podemos ter de mais emocional além daquilo que é o canto, a música. Ele tem essa capacidade de interpretar. O racional descodifica para que se entenda.


Foi algo que percebi enquanto conversamos: o desenho. Isso faz parte dos teus processos? Quero dizer: existe um passo-a-passo ou cada trabalho tem o seu caminho, o seu método?


Existe um elemento que está sempre em todos os passos da minha vida e, sobretudo, da profissional: paixão. A paixão com que tu faz as coisas. Estou falando de um processo que começa com paixão e, se tu se apaixona por uma coisa, tu vives este elemento, tu não consegues largar. E o desenho é algo que identifica que aquilo está sempre em ti. Se transporta isso para os projeto, consegues então contaminá-los também. Só consegues fazer bem, não consegues fazer mal. Se tu cozinhas com paixão tens então uma boa comida, não é? Isso tudo é uma questão de entrega. O desenho resolve problemas, no nosso caso, é um  desbloqueador e ao mesmo tempo funciona como terapia. Eu consigo desaguar energia e também verter as ideias. Pois isso estou sempre a rabiscar. Transporto vários cadernos e vários artefatos de escrita. Nem sempre o artefato corresponde ao teu humor. Às vezes desenho com pincel ou com canetas muito finas, grafite. É um bocadinho a sensação que temos no despertar do dia. Se nos pedirem para assinar o nosso nome mais de uma vez, mesmo a nossa assinatura não sairá igual. Esse é um processo que pode virar uma ata de reunião, que depois eu fotografo e envio por e-mail para um cliente, por exemplo. Em um dos meus cadernos coloco um aviso para quem o encontrar: pagarei com um desenho. Não dinheiro, um desenho.


Desenho, processo e terapia. Eduardo Aires explica que o desenho é mais do que uma etapa em seus processos, ele o utiliza como terapia



Ao olhar os cadernos, percebemos uma imensa variedade de projetos. Em 27 anos de atuação como designer, há algo que ainda não fez?


Ainda há tantos por fazer... e em tantas áreas. Eu acho que, tal como o esporte, ou a música, tu vai descobrindo a tua área preferida de atuação. Um músico poderia ser indagado sobre o motivo de não tocar violino, ou outro instrumento. Vai ali desenvolvendo novas capacidades, vai se sentindo mais habilitado. Acho que procuramos a boa forma, seja qual for o desafio colocado. Não é o ato de não ter feito este ou outro projeto que me faz dizer “ah, falta fazer isso, fazer aquilo”. Tal como disse que não faço planos, também não tenho intenções para este ou outro projeto, são coisas que deixo acontecer naturalmente. Sendo que me assumo como designer da comunicação. Embora eu goste de fazer tudo, me assumo neste campo. E o espectro da comunicação é extremamente vasto. Já fiz tanta coisa…


Inverto a pergunta: o que não faria?


Eu não consigo responder assim. Eu posso dizer… eu não faço projetos que não consigo entender. Que quem o encomenda também não percebe. Porque a natureza da encomenda é sempre a mesma, a forma é sempre a mesma: nós respondemos à um problema. E eu acho que somos mais felizes quando temos pessoas esclarecidas quanto ao projeto, isso nos permite começar num ponto um pouco mais elevado e, por isso, podemos chegar mais longe. Eu não faço projetos sem consistência, que não têm corpo. É claro que a nossa função é, além de conquistar a boa forma, fazer parte da solução do problema. Então, se alguém tem uma questão, vamos buscar uma solução e não reforçar esse problema. O interessante é tornar o trabalho em algo que o cliente ainda não viu. Isso é interessante.


Atualmente quantos projetos estão em andamento no estúdio?


Dezenas. Ao mesmo tempo? Dezenas... se não algo perto de centenas, se começarmos a decompor cada trabalho, não é? Chegaria perto disso. Nós temos aqui muito bem definido, por parte de quem encomenda e de nossa parte, aquilo que se almeja. Mas, depois é tudo um crescendo, uma evolução natural. Há uma questão que eu consegui sistematizar que é formular bem aquilo que são as preocupações de um projeto e, sobretudo, as necessidades que eles levantam. Isso hoje em dia eu já consigo fazer de uma forma estruturada, diplomática, e é uma coisa que se conquista ou seja, um verdadeiro diretor de arte…

Neste momento batem à porta. O designer Dario Cannatà informa que as provas de um projeto estão prontas. Eduardo Aires acerta alguns detalhes sobre este trabalho.

…isso é uma coisa que um diretor de arte vai percebendo: sua orquestra. E ali dentro está alguém preocupado com as questões que a partitura toda tem, e é complexo. É ai que surge muitas vezes os projetos que eu diria subliminares, que surgem dessa abordagem, e que o design com sua metodologia também deve levantar, resolver, por em prática, etc. Isso faz com que os projetos se desmembrem.



Lançado pela Câmara Municipal do Porto, em 2014, a marca Porto. Recebeu, entre outros, o prêmio principal do European Design Awards 2015, iniciativa que premia os melhores projetos de design de comunicação na Europa. Passado este tempo, o que entende por determinante no resultado deste projeto?



Acho que foram duas coisas: num primeiro momento o encomendador, ou seja, quem encomenda está liberto de todas as amarras políticas e todos os compromissos políticos que possam haver. Segundo: ele é dotado de uma apreciação do que é a cidade, tem essa leitura, essa clarividência para isso e para sintetizar o briefing.

E aqui faço um parêntese: posso estar a falar do meu trabalho, mas não, isto é um acumulado de experiência, não é? Um acumulado de situações e uma capacidade de apreciação daquilo que o cliente quer, e uma resposta muito cirúrgica em relação àquilo que se pretende.

Depois de instaladas essas questões, houve, de parte a parte, primeira da nossa depois do cliente, uma grande vontade em aceitar o risco. Porque nós fomos audazes ao propor uma situação de uma síntese brutal, que era resumir a cidade num ponto. Porto ponto, não é? Porto ponto é parte da história, é aquilo que caracteriza a cidade. A outra parte da história são os ícones, toda a linguagem, diz respeito às pessoas. Mas é a junção desses fatores todos, ou seja: a nossa audácia em propor a solução e a audácia do cliente em aceitar e perceber esse conceito. Se tivessemos do outro lado alguém menos esclarecido, alguém com mais dúvidas, alguém preso a alguma facção política, não teria capacidade para tomar a decisão.


E como foi esse processo de construção visual?


Foi um mês de desenho, de conversas. Novamente vou aqui ao caderno e percorro aquilo que é o Porto (Eduardo Aires abre o caderno com os rascunhos do projeto). Conversas, conversas, e conversas, e conversas (rascunhos)… e aqui já há a ideia dos azulejos, e os ícones, que amarram, saltam aqui meias palavras, e conversas. É muita partilha de informação, e é lógico que isto foi um trabalho de equipe. Eu tive como braço direito a Raquel Rei e Ana Simões, sem elas isso não viria à luz do dia.

Tenho que ser honesto neste ponto, não sou um iluminado, isto é um trabalho de equipe e é até muito mais vasto (Lucille Queriaud, Joana Mendes, Maria Sousa, Dário Cannatà, Tiago Campeã e Alexandre Delmar). Eu sou apenas a face mais visível. Tenho consciência disso. É óbvio que tenho mais responsabilidades, pro bem e pro mal. Mas trabalhamos com uma equipe mínima, à volta desta mesa, não mais longe do que isto. Eu tenho uma regra: quando vejo muita gente me assusto. E nós trabalhamos de uma forma colaborativa, envolvemos os clientes. E aí sim, quando o cliente está envolvido é que eu convoco as equipes multidisciplinares. A confiança está instalada. Eu costumo convidar geólogos para integrar a minha equipe para, por exemplo, falar sobre a terra em projeto necessários. Documentaristas em outros casos.

Portanto, esta questão da multidisciplinaridade, de fontes, é vital. Porque tu tens diversos faróis que vão te guiar na escuridão. Às vezes, a única coisa que um designer precisa fazer é colocar-se à margem, ou entender melhor seu papel como algum espectador. Então, não é nada mais do que introduzir um elemento químico que vai permitir a combustão e a ação do próprio motor. Aqui, a solução.



Todos os pequenos detalhes de um projeto passam por suas mãos?


Todos esses detalhes passam e são validado por mim. Há aqui uma outra questão que eu também quero dizer, claramente: eu gosto muito, muito, muito de trabalhar. Muito. É, para mim, respirar. E estou em uma fase que tenho muito prazer em vir para o estúdio. Muito prazer, gosto imenso da minha equipe, do que comunicamos ali entre todos. Há pouco veio aqui o Dario perguntar coisas sobre a gráfica, para ver alguns detalhes. Observo tudo, sim. Por isso também somos pequenos: os projetos estão à medida do estúdio. E busco assim estar no lugar. Quando estou no estúdio, estou aqui; quando estou na sala de aula, estou na sala de aula, não há um disfarce. Mas, tal qual a primeira questão, eu não realizo tudo premeditadamente. Uma coisa não quer dizer que eu planeje cada passo que vou dar, “2 passos pra li, chegar 4 passos à frente, para depois estar além”. Eu não faço planos. Eu não consigo. Sei o que gostaria de ter: gostaria de ter um restaurante, por exemplo.


E cozinhar é algo que gosta de fazer também?


Gosto porque descobri que cozinhar tem o mesmo estado de prazer que encontro no desenho. Por quê? Porque gera momentos de contemplação, de auto afirmação. E outra coisa, eu costumo dizer que férias não é ócio. Férias é mudança de atividade. É estar ligado em outras coisas. E a cozinha pra mim é a capacidade de ter um registro diferente. Poder experimentar, sobretudo. Também está associada à outra questão que eu partilho na vida: a generosidade.

Ou seja: quando cozinho, há uma satisfação em agradar aos outros. A combinação desses fatores é muito grande. Nada mais agradável que estar a partilhar uma energia, uma boa conversa. Esta ideia da generosidade, sem esperar um retorno, me atrai. Tenho uma atração e uma vontade em fazer… desmesurável. Portanto, quando cozinho é com prazer para outros. Não cozinho para mim. Todo esses componentes cênicos me atraem. É a questão da entrega novamente. Nós só conseguimos experimentar a vida através da entrega. Tu não consegue perceber o outro, perceber o projeto sem esta entrega. Por isso que digo que estamos sempre a falar de paixão. Sempre. E quando tu te moves por paixão, as coisas vêm naturalmente.



É mais do que uma forma de trabalhar, é um modo de vida.


É um modo de vida. É óbvio que eu não consigo transportar esse modo para outras áreas, com a sala de aula, pois seria por demais fantasioso. Mas quem está mais atento consegue perceber.


Esta é uma outra entrega, a vida acadêmica, como professor.


Acho que não há nada mais interessante do que ver crescer pessoas à tua frente. É interessantíssimo ver como eram e como são. Eu vejo como um arco íris: a hora em que entram pela esquerda e o momento em que saem pela direita. São diferentes. E percebo que olham para trás e pensam: estou mais clarividente sobre aquilo que é o design e sobre o que são os processos de edição. E isto dá prazer. Alguns me agradecem, sobretudo por aquilo que passaram. Porque aqui eu faço com a maior transparência possível  Sempre. E esta transparência nos processos tem que ser transversal: seja na vida pessoal, profissional ou acadêmica. E para tudo isso existe o pilar da ética. Quem lida conosco percebe. A transparência não se proclama, ela faz parte do suor dos corpos. Ela está lá, não se diz.


Quinta das Murças. Brasão inspirado nas linhas verticais presentes nas plantações do Douro

Esta é a terceira de 4 entrevistas do livro Planta Baixa & Cardiogramas, realizadas em 2016 com estúdios na cidade do Porto. Textos, infografias e fotos por Felipe Goes. Agradecemos aqui imensamente a colaboração dos estúdios que abriram suas portas e permitiram a realização deste trabalho: DSType, na pessoa de Dino Santos; Bolos Quentes, na pessoa de Sérgio Couto; White Studio, na pessoa do professor Eduardo Aires; o coletivo We Came From Space, na pessoa de João Martino e Miguel Almeida.






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