Chico Neto / Seven Magazine
Entrevista — 2018
SUMÁRIO
Neste estudo de caso apresentamos a Seven Magazine. Já fora de circulação, a publicação foi um passo importante na construção de uma nova linguagem editorial na cidade de Fortaleza entre os anos de 2007 e 2009. O design da publicação é assinado pelo hoje professor Chico Neto, que na ocasião em que paginava a revista, dava seus primeiros passos como designer profissional.
CHICO NETO
Sou Chico Neto (chiconeto.com.br), publicitário, especialista em Design Gráfico, professor no Curso de Publicidade e Propaganda e, atualmente, coordenador adjunto de Comunicação Social e Marketing Institucional da Universidade Federal do Ceará.
Apaixonado por design thinking e comunicação visual, meus projetos contemplam, principalmente, a concepção de identidades visuais, a criação publicitária e o design editorial, além das ações de marketing institucional realizadas para a UFC.
Frequentemente sou convidado para palestras e cursos sobre comunicação visual, gestão de marcas e técnicas e processos criativos em instituições de ensino superior, organizações sociais, empresas, órgãos públicos e eventos como a Campus Party Recife, o TEDx Fortaleza e a Startup Weekend Corporate Sebrae/CE
Chico Neto em seu apartamento e estúdio em Fortaleza
Como iniciou sua trajetória no design?
Foi com um jornalzinho na terceira série do primeiro grau – agora chamado ensino fundamental – no colégio Redentorista. Lembro de fazer paste up de textos datilografados e ilustrações criadas pela turma de escola para depois fotocopiá-los e distribuí-los para todos os alunos do colégio. Também foi nesta época que usei um computador na casa de um colega de sala. E era um Macintosh II.
Durante a oitava série, no Colégio Sete de Setembro, me enturmei com os outros alunos ao desenhar o uniforme do "Oitão" para as competições da "Semana da Pátria". Curioso pensar que, recentemente, fui convidado para realizar a revisão da tradicional marca do colégio para comemorar seus oitenta anos.
A publicidade e o design gráfico sempre chamaram minha atenção. Porém, eram dois cursos de graduação que não existiam no Ceará. Tive a sorte de ingressar na primeira turma da Universidade Federal do Ceará. Aprendi a utilizar o Photoshop muito cedo. Já no primeiro semestre, busquei por oportunidades de estágio e auxiliei o professor na disciplina de Informática e Comunicação. Então, minha relação com a profissão associada a sala de aula também se manifestaram no início da formação acadêmica. Conclui a graduação de forma tardia e já inserido nas práticas profissionais.
Era frequentemente chamado para conversar com alunos em aulas e palestras. Logo, veio o primeiro convite para ensinar. Anos depois, quando era sócio de um escritório de design, tive a experiência como professor substituto da mesma disciplina na qual tive meu primeiro contato como monitor. Naquele momento, tive que decidir entre o empreendedorismo e a vida acadêmica. Priorizei a UFC. Entendi que era uma oportunidade única e que traria um novo cotidiano e possibilidades para minha jornada. Quando o contrato temporário com a Universidade Federal do Ceará estava próximo do final, consegui uma oportunidade para trabalhar no Rio de Janeiro em um grande escritório de design. Mas meu destino era mesmo o curso de Comunicação Social – Publicidade e Propaganda da UFC. Surgiu um edital para professor efetivo na área de Comunicação Visual e Produção Gráfica sem a obrigatoriedade de doutorado acadêmico. Resolvi deixar uma grande oportunidade no Rio de Janeiro pela inédita, porém incerta chance que surgiu em Fortaleza. Participei do concurso com dezenas de concorrentes de todo país. Fui o único aprovado.
Ainda no período probatório, surgiu o convite para assumir uma nova função de coordenador adjunto na Coordenadoria de Comunicação Social e Marketing Institucional da UFC. E, hoje, minhas atividade cotidianas são destinadas – além do ensino – à prática publicitária, ao planejamento de marketing e ao design gráfico, contribuindo com o desenvolvimento de projetos de comunicação da Universidade. É um trabalho intenso, porém gratificante. Me permite entrar em contato com toda instituição e reúne a teoria e a prática que, para mim, sempre foram indissociáveis.
Projeto. O desenho de um tipo especial, o
uso dos brancos
e o editorial pensados a partir seções específicas estão entre os aspectos de identidade da publicação
A Seven Magazine foi uma página importante no design editorial local. Sendo um dos principais autores deste projeto, o que a torna especial?
Acredito o projeto da Seven foi uma das primeiras oportunidades para a geração de diretores de arte, designers gráficos e artistas visuais que integro. Ele traz um novo repertório técnico e acadêmico disponibilizado pelos cursos de graduação e escolas de criatividade. Durante primeira metade dos anos 2000, também assistimos – na primeira fila – a explosão informacional da world wide web e a democratização das ferramentas digitais. O projeto edital da Seven apresentou, em revista, o Ceará conectado ao mundo. E o projeto gráfico da publicação expôs nosso desejo e capacidade de entrar em contato com o design editorial de diversas regiões do planeta.
Como foram aqueles dias? Como se dava a construção de cada edição?
A concepção e confecção das primeira edições da Seven Magazine é recheada de episódios memoráveis. Lembro de uma reunião no apartamento dos pais da jornalista Ana Naddaf e do quarto completamente tomado por revistas de vários países. Aquela cena registra todo processo imersão no universo do design editorial – sem nenhum método ou técnica consciente – para conseguir capturar o máximo de referências possíveis para fazer algo que fosse inédito e excelente para o nosso público.
Recordo que o primeiro número da revista foi concebido em um desktop computer que eu carregava no porta malas do carro, diariamente, transitando entre a minha casa, a sede da editora e o escritório do arte finalista, localizados em três pontos diferentes da cidade de Fortaleza. Nesse período, também trabalhava para uma empresa de design. Esse computador foi comigo até Teresina para concluir o projeto e gerar os arquivos finais na gráfica onde a revista foi impressa. Naquela época, não havia nenhuma gráfica no Ceará capaz de materializar a publicação com a qualidade que desejávamos.
Além disso, a primeira edição foi composta usando o software Corel Draw! Parece inacreditável. Precisei de vários arquivos para o trabalho. Hoje compreendo todas os processos de pré-impressão que a equipe da gráfica teve que realizar devido a minha inexperiência. Eles esperavam um CD-Rom com um pacote de arquivos gerados no Adobe InDesign, um PDF e um protótipo da revista, mas receberam um jovem diretor de arte com um computador, várias páginas incompletas e um prazo esgotado.
Entretanto, junto ao caos projetual havia muito frescor criativo, empreendedorismo e olhar cosmopolita. A Seven trazia elementos visuais preciosos e uma série de conteúdos encantadores da primeira até a última página: a composição da capa incomum à época, a narrativa editorial com seções que eram apresentadas como capítulos de um livro, a tipografia autoral para demarcar a identidade única da publicação e o cuidado para que cada página trouxesse algo particular, sem comprometer a unidade do projeto gráfico, são alguns exemplos de como sua proposta gráfica reuniu o maior número possível de atributos visuais.
Ensaios fotográficos. O editorial de moda da 3ª edição (2008), pensado como uma carniceria surrealista, foi realizado em três diferentes frigoríficos da cidade de Fortaleza. Fotos de Nicolas Gondin, styling Marcos Marla e modelo Rafaela Scienza.
Sobre o conteúdo e as pautas, como eram pensados?
A jornalista Ana Naddaf, que estava transitando entre Nova Iorque e Fortaleza, foi a grande responsável pelo conteúdo da publicação. Ela ganhou a simpatia e confiança de Rogilton para que pudéssemos experimentar e produzir um produto jornalístico verdadeiramente novo. Da primeira reunião até o fechamento da revista, houve uma notável integração. O diálogo entre texto e imagem era reflexo da conversa que acompanhava a execução de cada página. Dezenas de profissionais foram convidados a participar pontualmente da produção de cada uma das cinco edições. Vale destacar o trabalho do fotógrafo Nicolas Gondim e do arte finalista Luiz Júnior, presentes em todos os números. Mas, sem dúvida, a vivência de Ana, seu talento para identificar assuntos atraentes e sua capacidade de ver o Ceará como parte da aldeia global é que fizeram da Seven algo único.
O terceiro número da revista já demonstrava o amadurecimento da equipe e dos processos. A identidade editorial e visual da publicação era evidente para todos integrantes e colaboradores da Seven. A composição já era feita com o uso do Adobe InDesign em um notebook Apple. Tínhamos em mãos um arquivo digital com a distribuição das páginas que informava qual o conteúdo, quem era o responsável e em qual status estava cada página da revista, identificado através de cores e mantinha toda equipe atualizada a partir deste documento. Os diálogos entre a equipe ocorriam com o uso frequente do Skype e do Messenger. E todos os limites ainda impostos pela fragilidade comercial da revista – que ainda se esforçava para conseguir anunciantes – eram superados com empenho, colaboração e criatividade na redação e direção de arte de cada reportagem. Também havia registros de publicitários que se empenhavam em viabilizar a veiculação de anúncios na revistas, entendendo seu frescor editorial e a possibilidade de dialogar com peças publicitárias de forte apelo criativo.
Ao longo de edições, surgem muitas possibilidades para expandir ou manter a personalidade de uma revista. A publicação também reflete os ideais de uma empresa: qual o limite entre design editorial e branding?
O design editorial é uma disciplina que contribui para o branding. Quando uma publicação conhece seu propósito, o que deseja manifestar, qual os atributos da sua voz e para quem desejar falar – atividades correspondentes a definição e gestão de uma marca – ela pode recorrer ao design editorial para definir uma aparência visual adequada à identidade estratégica. Há, também, vários exemplos de revistas criadas para expressar uma identidade de marca, como é o caso das revistas de bordo de empresas aéreas. O Editorial traz percepção visual a expressão verbal da marca. Se muda o autor, a mensagem ou público, o projeto gráfico também sofre alterações.
Por onde você começa um projeto editorial? Ele possui um comportamento diferente quando comparado a outros campos do design gráfico?
Antes do exercício criativo, é necessária também uma pesquisa preliminar na qual é possível coletar referências do cenário no qual o projeto se insere e de outros contextos que possam trazem contribuições para os objetivos projetuais. Neste momento, é válido definir o que há de análogo e em que aspectos seremos distintos.
O que difere a prática do design editorial de outros projetos gráficos, no início, são os requisitos e restrições desta disciplina. Já durante a concepção criativa, as habilidades técnicas, os conhecimentos específicos e o repertório necessários para a plena execução do trabalho é que permitiram, ou não, a efetivação das ideias e resolução dos problemas característicos de um produto editorial. Alguns desafios podem ser superados durante a jornada. Mas nem sempre é possível aprender fazendo.
Para onde caminha o design gráfico?
O ser humano é um ser visual. O design gráfico está inserido em uma sociedade que aprende a se comunicar através do texto, mas que fala através da imagem. Agora, os dispositivos digitais permitiram que mais pessoas tenham acesso às ferramentas de manipulação gráfica. Há bilhões de vozes das mais diferentes formas dispostas se expressar nos mais diversos formatos e disputar atenção para que sejam visualizados e compreendidos. O design gráfico corre para acompanhar os múltiplos caminhos que as novas tecnologias apresentam e superar os desafios que a explosão populacional aponta, sem jamais se deixar ser ultrapassado.
Aberturas e seções. Um dos aspectos inovadores da publicação naquela época (2007) foram as aberturas de seções que marcavam as mudanças de temas.
Sua formação envolve uma experiência com a publicidade e com o design. Como enxerga esses campos hoje? O que mudou nos últimos 18 anos?
Há 20 anos, a formação acadêmica em publicidade e design eram distantes de Fortaleza. A ESPM (Escola Superior de Propaganda e Marketing de São Paulo) é de 1950. Já a ESDI (Escola Superior de Desenho Industrial da Universidade Estadual do Rio de Janeiro) é de 1960. Hoje, temos uma série de cursos de graduação, especialização e programas de mestrado em nossa cidade. A cena da formação técnica em instituições públicas e privadas também cresceu. Temos um cenário capaz de formar profissionais mais hábeis ao mesmo tempo em que estamos mais próximos de outros ambientes, atores e saberes, graças às novas tecnologias digitais. Essa, para mim, é a principal mudança nos últimos 18 anos.
O que ensinar te ensinou?
Cora Coralina disse que é "feliz aquele que transfere o que sabe e aprende o que ensina." O exercício docente me condiciona à busca constante pelo aprendizado significativo. E, imediatamente, me traz o desejo de compartilhar minhas descobertas.
Bilíngue. As últimas páginas da primeira edição da revista trazia um resumo dos principais conteúdos em inglês, algo que expressava uma visão e o interesse em dialogar com o mundo.
Além do design, que outras atividades são do teu interesse?
Tenho interesse pela comunicação direcionada aos movimentos sociais e todo poder transformador dos projetos da sociedade civil organizada. Também curto conteúdos relacionados à gestão mercadológica. Sou publicitário. Da mesma forma, quando alguém fala sobre tecnologias vinculadas ao ensino, fico atento. Sou professor. Mas, distante de tudo isso, acho extremamente aprazível conversar sobre gastronomia e outras atividades da economia criativa. Acho cozinhar algo tão fascinante quanto fazer design. Não à tão, alguns vão dizer que é arte. E isso é, convenhamos, um elogio. Por que refutar? Se alguém demonstrar paixão e conhecimento ao falar sobre sobre qualquer tema, darei atenção. Sou curioso. Daí, o mundo se torna mais interessante. E na Universidade – mas isso não é algo restrito ao ambiente acadêmico, importante destacar – tenho a frequente oportunidade de conhecer muitas pessoas que falam apaixonados sobre seus projetos de ensino, pesquisa e extensão. Assim, acabo me envolvendo com as mais diversas questões como, por exemplo, o combate ao mosquito Aedes aegypti e a pesquisas em adsorção e Captura de CO2.
Para terminar: uma citação que sempre te acompanha e inspira.
Disse Adoniran Barbosa: "Deus dá o frio conforme o cobertor." Aceite os desafios que a vida impõe. Seja determinado e resiliente para que os erros e as derrotas sejam transformados em lições valiosas.