GUSTAVO PIQUEIRA
Entrevista — 2023



PALAVRAS EM IMAGENS


Formado em arquitetura pela FAU, o artista gráfico, designer, ilustrador, pesquisador e escritor, Gustavo Piqueira (1972) encontra em sua produção intersecções entre diversas formas de linguagens, explorando limites e estabelecendo novas articulações. 

Com mais de 40 livros publicados, Piqueira faz uso de diversos sistemas narrativos em seu trabalho, sejam eles visuais, verbais ou materiais, além de navegar entre processos e meios digitais e analógicos. À frente de seu estúdio, Casa Rex, já recebeu mais de 500 prêmios nacionais e internacionais de design, dentre estes o Prêmio Jabuti, D&AD Awards, ADC Art Directors Club of New York, AIGA 50 Books/50 Covers, iF Design Awards, Print Awards, Red Dot Awards e Creative Review Annual.


︎︎︎ gustavopiqueira.com.br
︎︎︎ casarex.com
︎︎︎ instagram



Pássaros. Série de cartazes impressos em serigrafia com aplicação de letterpress com tipos de madeira e clichê de magnésio para os texto. 25 x 35 cm.




Parece haver um limite entre arte e design. Pensando sobre isso, bem como percebo o seu próprio trabalho, o que conecta e o que separa esses campos na sua opinião?


Particularmente, não sou muito fã de definições absolutas, e confesso que sempre achei aquelas discussões que buscavam determinar “o que é design” um tanto enfadonhas. Alguns dizem que o design deve transmitir mensagens objetivas. Sim, de fato, isso ocorre. Mas nem sempre: nem sempre isso é possível, já que a linguagem visual não tem um código tão cristalino quanto a verbal; nem sempre se quer que a mensagem seja clara e objetiva e isso não é um problema em si. A meu ver, a principal diferença está no fato de, em projetos regulares de design, haver uma solicitação externa e essa solicitação externa carregar demandas que nós temos que levar em conta, sejam elas consonantes com nossas crenças ou não. Logo, esse tipo de projeto exige uma abordagem diferente daquele que surge exclusivamente como uma necessidade pessoal. Mas não chamo o primeiro de “design” nem este último de “arte”. Não me interessam muito definições arbitrárias, não.


Pensando nestas definições, e na forma como percebo os seus projetos, qual seria a fronteira entre a palavra e a imagem? Como podemos pensar sobre essas fronteiras?


A fronteira entre palavra e imagem é bem mais tênue do que costumamos considerar. O fato é que carregamos conosco séculos de construção simbólica de ambos, e isso faz com que as julguemos estarem menos próximas do que de fato estão. Tentar borrar essas demarcações, aliás, é um de meus temas favoritos.


42 Haicais e 7 Ilustrações. Capa de livro




Eu já trouxe esta questão para outros designers: há muito sendo dito sobre os caminhos que o design vai tomar ou está tomando. Mas, pensando no presente: onde você acha que chegamos? O que significa pensar e fazer design hoje em dia?


Para ser sincero, acho que o design gráfico - design visual, para usar o termo corrente - vive um momento de extremo conservadorismo e pobreza de ideias. Uma espécie de funcionalismo-capitalista-digital no qual a linguagem visual parece se apresentar apenas como simulacro. As discussões e debates, via de regra, se voltam para a exibição de “cases de sucesso”, algo cujo superficialismo é latente, sem falar num discurso de positividade e “propósito” fajutíssimo. Aí, quando ensaia tocar em questões mais abrangentes, o pouco tempo dedicado à articulação da linguagem visual para expressar ideias que não sejam um briefing se revela em reflexões também não muito aprofundadas. E se as exigências do dia a dia são desculpas plausíveis para isso, no longo prazo o resultado é triste. Existem, claro, exceções. Mas são exceções.



O design gráfico vive um momento de extremo conservadorismo e pobreza de ideias. Uma espécie de funcionalismo-capitalista-digital no qual a linguagem visual parece se apresentar apenas como simulacro. As discussões e debates se voltam para a exibição de “cases de sucesso”, algo cujo superficialismo é latente, sem falar num discurso de positividade e “propósito” fajutíssimo.



Nove Meses. Para o projeto visual da caixa que contém os volumes impressos da obra foram produzidos globos de resina contendo insetos mortos. Dez variações podem ser vistas nas capas, entre elas: grilo, grilo com tenébrio, larva, grilo com larva, barata, barata com larva,  barata com tenébrio e larva, cinco tenébrios com duas larvas e dois tenébrios com cinco larvas. Cada conjunto foi moldado manualmente, utilizando formas plásticas.



︎︎︎ veja o vídeo





Inteligência artificial. Como você percebe esta primavera?

Olha, é algo que certamente terá um grande impacto. Mas também é algo que não me interessa muito como campo de estudo. Mesmo que ela vá alterar profundamente muita coisa (e não duvido que vá), confesso que não sou daqueles que estão empolgadíssimos com o tema. Não acho, aliás, que nós precisamos estar empolgadíssimos com aquilo que se coloca como a última inovação para estarmos em sintonia com o tempo presente, bem como com os olhos voltados para o futuro. A relação direta entre essas duas coisas é uma verdade fabricada.



Política, em seu sentido mais amplo, está em tudo o que fazemos, queiramos ou não. Se somos designers, ela está em nosso design, em nosso trabalho. É pensar que todo ato é político. Toda passividade, também.



Rodrigo Sassi — Prática Comum Segundo Nosso Jardim. Identidadade visual para exposição




Quem são suas principais referências no design e na literatura?


Acho que estou velho demais para listar nomes específicos. Mas, em linhas gerais, admiro quem nunca se deixou acomodar e quem nunca se deixou encaixar.


Pensando um pouco em seu trabalho dentro da Casa Rex, como se dá a construção de um projeto como escritório? Há diferenças sobre quando pensamos em uma abordagem mais pessoal? Ou estamos falando de um espaço com essa possibilidade?


Eu não consigo me separar da Casa Rex. Pra mim é uma coisa só — claro que existem projetos das mais diversas constituições (e das mais diversas qualidades). Mas sempre foi, e sempre será, uma coisa só.



Não precisamos estar empolgadíssimos com aquilo que se coloca como a última inovação para estarmos em sintonia com o tempo presente, bem como com os olhos voltados para o futuro. A relação direta entre essas duas coisas é uma verdade fabricada.



Seis Copos. Jogo de seis copos estampados com ilustrações de Carlos José Gama que convida Fidel Castro, Stalin, Gandhi, Jesus Cristo, Aiatolá Khomeini e Rambo para serem seus companheiros de refeição. Os copos vêm em uma caixa que não apenas funciona como embalagem, mas é parte indissociável do conjunto ao apresentar uma série de bem-humoradas “instruções de uso” dos copos para que o usuário possa abordar questões delicadas de serem discutidas à mesa. A série foi produzida em edição limitada de 50 unidades.




A escrita, bem como o planejamento de uma nova obra, podem ser encarados como um projeto de design? Ou estamos novamente na fronteira da arte? Como é a sua rotina com a escrita?


Bem, eu entendo escrita como uma coisa mais abrangente do que grafar o alfabeto. Toda marca visível que deixo, seja texto, imagem ou materialidade, é escrita. Assim, as possibilidades de articulação que desenvolvi na prática cotidiana do design são, sim, bastante aplicáveis (e aplicadas) a cada nova obra que planejo e executo. Minha rotina com elas é, aliás, muitíssimo parecida do que a que tenho com um projeto de design.


Clichês Brasileiros. O projeto explora de maneira criativa os estereótipos associados à cultura brasileira, convidando o público a olhar para além e descobrir sua diversidade




O que está lendo e escrevendo atualmente?  


Sempre lendo coisas diversas das minhas principais áreas de interesse, que são diversas mas giram, quase todas, ao redor de estudos sobre cultura e processos culturais. Estou escrevendo (uso o verbo nos parâmetros que defini na questão anterior) algumas coisas, espero terminá-las em breve. São as coisas “de sempre”: algumas obras explorando os limites da linguagem, outras focados em minhas pesquisas sobre cultura visual.


Paisagens e Retratos. Série criada a partir de processos digitais e manuais. “Diferente da ilusão de quando olhamos para um foto onde a memória está lá, recuperada, cristalina. Mas a nossa memória não funciona assim. Quando a gente quer resgatar alguma lembrança, a imagem nunca se completa, ela parece um quebra-cabeça, as peças não se encaixam."

︎︎︎ Veja o vídeo




Com tantos prêmios em sua trajetória, o que eles lhe ensinam no final do dia? E ainda pensando sobre isso: o que define o sucesso na realização de um projeto de design?


Acho que, ainda que seja um reconhecimento legal, não dá pra usar como parâmetro não. E meus parâmetros de sucesso, aliás, são bem prosaicos: me considero exitoso se, ao fim de um projeto, expandi um pouco mais meu repertório, minhas habilidades. Todos os outros tipos de reconhecimento — prêmios, remuneração, aplausos — são bacanas, claro, mas não essenciais.


Você gosta de pensar ou acredita possuir uma assinatura visual estética dentro dos seus projetos? Se sim, o que você acha que conecta um projeto ao outro?


Acho que uma assinatura estética sim, mas não enquanto cacoete visual. Penso que existe mais em termo de uma postura estética, uma postura de valores e de liberdade na abordagem, seja esta conceitual ou plástica. Um “desrespeito bem humorado” por normas, tendências e comportamentos, como certa vez um designer francês definiu meu trabalho.


Oito Viagens ao Brasil. Livro, cartazes e exposição







Continue lendo ︎︎︎ Ensaio Sobre o Feio / Artigo


Para mais informações e sugestões, escreva para: ola@felipegoes.com



©2024. Felipe Goes