DSType Foundry / Dino Santos
Planta Baixa & Cardiogramas — 2016
O espaço físico do estúdio foi desenhado pelos próprios designers sobre uma estrutura demolida
CARACTERES — O ESTÚDIO
Localizado na cidade do Porto - Portugal, a foundry DSType foi criada em 1994 por Dino Santos e conta hoje com a presença de Antonieta Costa e Pedro Leal.
Sua produção independente já cruza oceanos para atender algumas das mais importantes companhias e publicações, como Adweek, GQ, Billboard, Le Figaro, La Nación, Oprah, Esquire, People, Vox Media, The Observer, USA Today, The Sunday Times Magazine e The New York Times Magazine.
Dentre os diversos prêmios internacionais já recebidos, destacam-se o Certificado de Excelência Tipográfica em Design de Tipos, com a fonte Ventura, prêmio que foi concedido pelo Type Directors Club of New York e o Creative Review Type Design Award, na categoria Revival com a fonte Andrade.
Hoje é praticamente impossível falar sobre tipografia para publicações sem mencionar este estúdio.
CARDIOGRAMA
— DINO SANTOS
Dino dos Santos (1971) é o fundador da DSType. Licenciado em Design de Comunicação pela ESAD e Mestre em Arte Multimédia pela Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto.
Seu trabalho junto ao estúdio já é reconhecido internacionalmente e encontra-se hoje referenciado no Klingspor Museum de Offenbach, na Alemanha. É autor do livro A Letra Portuguesa - Instrumento para o conhecimento da caligrafia nacional, de 2015
1º andar — Pedro Leal e Dino Santos
O que está mais presente em seu trabalho: o aspecto racional ou o emocional?
Nós tentamos sempre um equilíbrio entre os dois aspectos. Evidente que, em alguns trabalhos, o que se torna mais importante é o aspecto racional. É este aspecto que pretendemos transmitir nos tipos de letras que fazemos. É claro que tudo depende das características, do propósito. Temos tipos com um caráter muito mais emocional e temos tipos absolutamente racionais. São dois mundos que nos interessam. Tentamos sempre jogar com a dinâmica que pode existir entre eles. Não são duas coisas opostas nem separadas, as quais temos como filosofia no escritório. É o que acontece quando desenvolvemos tipos de letras para jornais: nós compreendemos as dinâmicas de um meio de comunicação impresso e seu público. Elas primeiramente permitem resolver todos os problemas editoriais e práticos do dia a dia.
Depois, temos uma ou outra versão, as quais chamamos de display, que apresentam mais possibilidades tipográficas, um aspecto mais emocional. Fazemos com que as duas versões funcionem bem em conjunto. Ou seja: que possa existir um jogo entre as partes. Portanto, quando for necessário salientar esse aspecto emocional, ela deve manter suas linhas básicas.
Quando olhamos tipos como a Braga e a Diversa, ou mesmo a Acta, encontramos aspectos do lettering em seu conceito. Este é também um ponto de partida para o desenho de tipos ou isso acontece posteriormente?
Nos interessa também a performance da palavra, então o lettering está sempre presente. É levar alguns tipos de letra para além daquilo que elas representam, de acordo com a nossa tradição de leitura, de legibilidade, do caráter exato do que são e de como elas compõem uma palavra. É oferecer algum impacto visual, para que elas funcionem como imagem.
Qual a importância dos projetos pessoais para o estúdio?
Basicamente 80% dos projetos são pessoais. Isso não quer dizer que estes projetos são “abertos” quanto a sua utilização. Nós definimos claramente um objetivo para estes casos: um hipotético cliente e uma hipotética utilização. Felizmente, temos uma centena de clientes e conseguimos perceber as necessidades que cada um transmite.
O que fazemos é olhar para nossa biblioteca e perceber o que pode estar a faltar, então desenhamos um tipo de letra com um determinado propósito. No campo editorial tomamos algum jornal e construímos uma série de observações quanto a aplicação de um tipo, levando em conta o seu perfil, formato, colunagem, quantas letras por coluna. Quando observamos essas coisas propomos, por exemplo, um tipo capaz de incluir mais duas ou três letras naquela coluna, o que significa uma economia imensa ao fim de um texto numa coluna, numa página. Perceba que, mesmo este projeto pessoal, tem um foco extremamente objetivo.
Ao tomar como exemplo a Zubo, desenhada para a Nintendo, o perfil do cliente tem alguma influência ou é sempre sua aplicação final que os guia?
A aplicação final, sem dúvidas! Nós geralmente não conhecemos pessoalmente nossos clientes. Temos, logicamente, uma construção e uma pesquisa de quem é. Em alguns casos, só ficamos frente a frente com o cliente depois de alguns anos. E esse distanciamento é bastante importante, pois nos coloca numa posição distante de preferências pessoais, mais próximos do trabalho, longe do que podem ser pretensões e gostos particulares. Vamos analisar o trabalho final e o cliente vai perceber que nós, como especialistas neste campo, desenvolvemos o que é ideal. Podemos discutir isso ou aquilo que acontece a posteriori. No caso da Zubo, aconteceu que o desenho já estava feito.
O cliente era uma agência de design inglesa que desenvolveu alguns caracteres para apresentar ao cliente, mas logo encontraram alguma dificuldade em desenvolver aquele tipo, principalmente quando chegam às diagonais. Percebemos uma série de implicações no desenho inicial e, nessa consultoria, adicionamos um conjunto de elemento que vão ser diferenciadores.
Ou seja, vamos alertar os clientes sobre uma série de coisas que eles fizeram e que não fazem sentido, porque vai implicar em outras letras. Procuramos nunca colocar como elemento central da discussão qualquer tipo de questão sobre gosto ou prazer estético, mas unicamente com o objetivo, funcionalidade, clareza.
Ainda que recebam especificações sobre gostos e preferências.
Sim, os cliente têm algumas preferências que acham interessantes e que, em um determinado trabalho, pode fazer sentido; e em outro pode não fazer. Nós temos que alertá-los para o fato de que, embora seja algo muito bem feito, não faz sentido algum.
Como aconteceu o trabalho para a New York Times Magazine?
Foi muito interessante. Em um determinado momento a revista decidiu fazer uma alteração interna. Houve uma mudança na equipe e decidiram que o design tinha que corresponder à nova filosofia do editorial. O jornal usava um tipo de letra, a Cheltenham desenhada por Matthew Carter, e, na revista, eles usavam uma versão condensada, mas acharam que para haver uma maior distinção entre aquilo que é a revista e aquilo que é o jornal em papel, as fontes deveriam ser ligeiramente distintas, mas ainda mantendo algum caráter da Cheltenham. O que aconteceu foi que desenhamos uma proposta baseada nestes conceitos, mas com uma nova roupagem e isto resultou na Nyte.
Steven Heller, no prefácio da Linha do Tempo do Design Gráfico no Brasil, acredita que “tudo parece igual, mas diferente”. Como isso poderia ser visto quando pensamos em tipografia atualmente?
Eu devo afirmar que nunca tive preocupação com essa questão de identidade. Não me interessa. Não traz alguma questão de mais valia. Não acredito que exista uma tipografia portuguesa e tento viver da melhor forma com essas circunstâncias. Não existe uma tradição. Essa questão tem mais relação com a teoria e algumas abordagens do design que, por algum motivo, procuram sustentar-se em algum conceito. Eu não acredito nisso, pois sempre me soa como uma justificação posterior ao que foi feito.
Quando as pessoas falam que a DSType tem um trabalho, uma questão de identidade portuguesa e tudo… eu posso dizer que é completamente errado. Eu nunca procurei essa questão de identidade mesmo tendo tipos como a Andrade, que é baseada no trabalho do Manuel de Andrade Figueiredo, ou com a Ventura, baseada no Ventura da Silva. Mas isso não é uma busca por algo português, eu as fiz porque ninguém havia trabalhado com esses desenhos. Somente por este motivo: eles eram autores esquecidos, e eu achei que eles tinham valor para não serem esquecidos. São portugueses? São, sim senhor. Por que não trabalhei com os espanhóis? Porque há pouco tempo trabalhei sobre um deles, o Torio de La Riva, e isto foi feito porque os espanhóis ainda não tinham resgatado este trabalho. Talvez porque não achem importante, mas na altura em que eu desenhava a Ventura, outros colegas meus desenvolviam trabalhos sobre tipógrafos espanhóis do final do século 17 e 18. Se eles o faziam, então deixei-me interessar por outras coisas naquele momento.
Interessa-me fazer uma arqueologia tipográfica onde eu possa desenterrar algo interessante. Não queria que isso fizesse alguma colagem, qualquer coisa com uma identidade nacional, portugalidade ou o que quer que seja. Rigorosamente nada! Não há aqui um espartilho nacionalista que nos iniba de fazer qualquer outra coisa sobre qualquer outra cultura.
Eu devo afirmar que nunca tive preocupação com essa questão de identidade. Não me interessa. Não traz alguma questão de mais valia. Não acredito que exista uma tipografia portuguesa e tento viver da melhor forma ccom essas circunstâncias.
Biblioteca. Encontramos uma variedade de publicações na biblioteca da DSType, entre raridades da tipografia e do design gráfico, um dicionário de terminologias médicas
Vocês trabalharam no desenho de tipos para outras culturas, como o árabe. Como é trabalhar com outros idiomas?
É um universo completamente distinto. Já criamos tipos de letra para o grego, cirílico e, em conjunto com outros estúdios, desenvolvemos em árabe. E isso nos traz um grande dose de cultura. Aprendemos muito com esses processos, uma vez que tentamos perceber como pensam, quais são os seus preceitos do ponto de vista comportamental e tentamos trazer essas coisas para um tipo de letra. Mas é sempre muito estranho sair do nosso universo onde as coisas já estão prontas, predefinidas. É mesmo um desafio
Expo. Um bilíngue árabe e latim em 7 pesos e com dezenas de alternativas estilísticas
Como batizam suas fontes? De onde surgem os nomes?
Nós temos uma pasta lá no segundo andar que diz “nomes sem fontes”. Já outras pessoas tem fontes sem nomes, a “title02”, “title03”. Nós já temos uma série de nomes para dar a fontes que ainda não desenhamos. Mas há sempre alguma coisa no tipo que remete à sua essência, vem de muitos lugares.
A Ecra foi desenhada para impressos, web e aplicativos. Existe alguma diferença no desenho para um determinado suporte?
Acho que deve existir alguma diferença. A Ecra (acima) já poderia ser utilizada em impressos sem qualquer problema. A questão era saber se poderia ser usada para aplicativos e web. Era necessário então que fosse um tipo de letra não muito contrastado. Ou seja: que as partes finas fossem suficientemente grossas para aguentar maior definição e tamanhos pequenos. E depois, este é provavelmente, de toda nossa biblioteca, um tipo de letra mais solto quanto ao espaçamento entre letras. Tentamos reduzir ao máximo a quantidade de pares de kerning para que ela se tornasse mais leve no ambiente digital. Então esta é uma letra que remove determinados elementos, não por um questão de estilo, mas só por uma questão de leitura.
Por fim: o que significa ser um typedesigner?
Se uma pessoa quiser fazer algo em tipografia o primeiro passo tem a ver com conseguir observar as letras, deixar de se preocupar com o que está escrito e enxergar a sua forma. Percebê-las perfeitamente pelas formas. Quando for capaz disso e de entender as diferenças entre outros tipos, você deve ser capaz de ver arquitetura e astrofísica, o que seja. Ser capaz de voltar com aquilo para a tipografia, dar forma tipográfica. E esta é a riqueza. Como nós conseguimos pegar em determinadas coisas e transformamos em objetos tipográfico por excelência? Isto pra mim é a riqueza máxima: perceber o desenho de uma varanda de ferro forjado e dali desenhar a Braga, por exemplo. O que nos interessa é ver possibilidades em coisas que não são essencialmente tipográficas.