Glauber Sampaio
Entrevista — 2020



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Fundador do Creative Doc, um espaço dedicado a compartilhar o trabalho de pessoas talentosas no Brasil e no mundo, o designer gráfico e digital, Gláuber Sampaio é o criador do projeto Aprender Design - uma plataforma educacional para pessoas do setor de Design e Tecnologia. Atualmente (2020), Gláuber trabalha como designer sênior na Tropikal, uma equipe de design de produtos digitais da Accenture Interactive. Além dessas atividades, o designer caminha por outros campos criativos, com a fotografia, a pintura e a música.


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Creative Doc. Criado em 2013/2014, o espaço reúne entrevistas com criativos de diversos campos do design. Além do site, sua página no instagram realiza uma cuidadosa curadoria, reunindo projetos de diversos países - @creativedoc.co






Você possui uma história muito particular sobre a produção de conteúdos e entrevista no campo do design através do Creative Doc. Estando agora do outro lado, poderia falar de você e como iniciou sua carreira?


Comecei a trabalhar desde muito cedo. Aos 14 anos, morava no interior do Ceará, numa cidade chamada Lavras da Mangabeira, que fica no extremo sul do estado e é uma região de sertão nordestino: quente e seco. Não tinha muito o que fazer naquela época, então comecei a criar interesse por programação, me deparando pela primeira vez com o Prompt do Windows. Queria ser um hacker. Fui pesquisando aos poucos como programar, até que, de alguma maneira, o assunto chegou em HTML e CSS e comecei a brincar de forma inocente por muitas horas no Frontpage e Dreamweaver.

Lembro do exato momento em que consegui colocar um elemento de HTML na página e ver funcionando. Lembro de pensar que eu poderia criar vários sistemas para computador e fazer aquilo tudo funcionar para o restante do mundo. Daí foi ladeira abaixo: comecei a me debruçar sobre Python, ActionScript, PHP e finalmente JavaScript. Tudo num claro na minha mente, de construir algo. Passei a executar projetos como programador freelancer ainda nessa época para pessoas que estavam em Minas Gerais e São Paulo. Como eu ainda era sustentado pelos meus pais, me preocupava mais em fazer algo do que receber a remuneração pelo serviço – ou seja, cobrava muito pouco.

Um tempo depois, ainda no interior, estudei numa escola pública onde, no laboratório de informática, havia um cara responsável por todos os sites das escolas públicas. Um dia me aproximei dele, meio tímido, para pedir que eu cuidasse do site da minha escola. Ele mencionou que, como não tinha tempo pra tomar conta de tudo, eu poderia ficar livre para fazer qualquer coisa. Foi uma oportunidade que mudou minha vida, pois além de programar, tive meu primeiro contato com design – mais por consequência da responsabilidade que tinha conquistado do que por vontade própria.


Aos poucos, fazendo outros micro-sites para a escola em datas comemorativas, vi que meu tempo investido em design crescia. Eu visitava vários galerias de sites diariamente, e ficava empolgado só de pensar em fazer algo parecido. Quando finalizei o ensino médio, no ano da Copa de 2010, não tinha muita noção do que iria fazer. Gostava de programar, mas também de fazer design – embora eu não chamasse assim. Pesquisei por algumas universidades com graduação em Design e a maioria, com boas referências, ficavam no Rio de Janeiro e São Paulo, mas era inviável financeiramente. Também não tinha graduação na universidade pública, até onde lembro. Por fim, usei minha nota do Enem para entrar em uma universidade particular, onde o curso era completamente focado na disciplina de Design e bem abrangente. Assim, em 2011, fui morar em Fortaleza para iniciar minha vida acadêmica.

No segundo semestre desse mesmo ano, me apliquei para diversas vagas das chamadas "agências digitais" e algumas de publicidade. Acabei conseguindo meu primeiro emprego numa agência digital como "web master", aos 17 anos, pois além de desenhar sites eu também programava – os apps ainda não existiam. Era uma época de muita novidade na profissão e as possibilidades eram diversas. A tecnologia de desenvolvimento front-end estava crescendo, e isso possibilitava criações mais ousadas na época. E foi assim que tudo começou pra mim.


Fotografia. Sua página no Unsplash já alcançou 20 milhões de visualizações






Como se deu sua passagem de Fortaleza para São Paulo? Poderia nos explicar um pouco sobre o seu trabalho na Tropikal Design?


Quando obtive minha graduação em Design em 2014, queria aproveitar um pouco mais o fato de não trabalhar e estudar ao mesmo tempo e assim me aquietar por pelo menos 2 anos. Porém, no início de 2015 republiquei meu portfólio com quatro projetos fictícios e isso acabou chamando muita atenção de algumas empresas, acelerando o contato. Não precisei procurar. Fui contatado por nomes conhecidos da indústria no Brasil e de empresas renomadas, me oferecendo oportunidade para mudar para São Paulo e Rio de Janeiro. Foi muita novidade em uma semana.

Aceitei sair de Fortaleza para morar inicialmente no Rio, ainda em julho deste ano, para trabalhar com o time da Work&Co, que estava se formando. Fiquei na cidade por quase dois anos até que me ofereceram a oportunidade de mudar pra São Paulo. Senti que a mudança seria ótima, apesar de quase não ter firmado laços no Rio. Mesmo assim decidi arriscar, era o que eu queria. No final de 2016 estive desembarcando em São Paulo, pela primeira vez na vida, sem nunca ter conhecido antes. Me acostumei fácil com o ritmo e estilo de vida que as pessoas levam aqui. Amo São Paulo.

Minha história na Tropikal é mais recente, se iniciou em 2019. Já conhecia algumas pessoas pela internet e o meu contato com eles acabou acontecendo de forma natural. A Tropikal é o time de produtos digitais da Accenture Interactive no Brasil. Meu trabalho aqui tem sido o mesmo dos últimos anos: projetar a experiência e o design de produtos digitais nacionais. Aqui tenho a oportunidade de trabalhar ativamente na evolução da identidade visual da própria Tropikal, o que tem contribuído para que eu mergulhe nesse universo que é o design brasileiro.


Você navega por muitos campos criativos. Além da fotografia e da pintura, recentemente tomei conhecimento do seu projeto musical Dreams Are Made To. Há alguma relação entre música e design dentro dos seus processos criativos?


Existe uma relação, sim. Tanto na música quanto no design, o produto final é um conjunto de elementos harmonizados que devem transmitir algo, mesmo que quem decida o significado, no final das contas, seja a pessoa que tem contato com o que foi produzido. Enquanto faço design, busco ter um cuidado dobrado para que minhas intenções sejam transmitidas de forma objetiva. Quando uma pessoa vê e usa o que eu produzi, ela precisa ter suas perguntas respondidas. Dependendo do projeto de design (principalmente digital) não tem como deixar para interpretações equivocadas.

Já enquanto faço música, minha maior preocupação é conseguir extrair um sentimento lá do fundo do meu ser, que muitas vezes não é tão claro, nem pra mim mesmo. Assim, como é algo mais subjetivo e que abre portas para diversas interpretações, quem decide o que aquilo significa é a pessoa que escuta, não importa minha intenção.

O momento em que esses dois universos se igualam, durante meu processo criativo, é quando busco harmonizar os elementos para chegar no resultado final. No design temos as formas geométricas, tipografias e cores sendo regidas por um grid e regras de composição gerais. Na música, temos os acordes, sons, timbres e texturas sendo regidas pelo ritmo e pelo tempo. Quando os ingredientes certos se juntam o resultado soa correto, mesmo que seja pra mim.


Cover arts e ensaios para o projeto musical Dreams Are Made To - @damtmusic






Pensar em design é pensar em construir códigos?


Pesquisando no dicionário rapidamente, a definição da palavra código é "a compilação sistemática ou um apanhado de leis, normas e regulamentos". Nesse sentido, sim, pensar design é juntar, sistematicamente, várias regras visuais, valores culturais e também pessoais. O que, por sua vez, implica no surgimento de novas regras e valores – construção de códigos – principalmente quando os mesmos preceitos são compartilhados por mais pessoas.


Inverto os valores: pensar em arte é pensar em destruir códigos?


Seguindo o raciocínio descrito acima, sim e não. Imagino que a resposta é variável. Depende da intenção de quem pensa em arte: se a proposta é dar continuidade à um conjunto de regras e valores ou de questionar ou romper com aquilo que já existe.


Retalhos. Gláuber Sampaio






Falando em código, em 2019 o seu projeto Código & Design revelou o seu interesse em lecionar e compartilhar conhecimentos. Hoje, a plataforma Aprender Design apresenta algo maior sobre o projeto inicial. O que pretende neste novo momento e o que esta experiência tem lhe ensinado?


Bom, meu interesse em ensinar já existe há mais tempo. Cheguei a lecionar a disciplina de Design por um semestre inteiro num curso de design digital, na EBAC (Escola Britânica de Artes Criativas) em São Paulo, no início de 2018.

Para dar mais contexto, o Código & Design existiu como um "ambiente de teste" para o Aprender Design. Em um período de mais ou menos 15 meses, pude aprender, desenvolver e aperfeiçoar um sistema próprio para que eu tivesse controle absoluto sobre a gestão do produto em si, assim como pude aprender e modificar praticamente em tempo real o método de ensino à distância, levando em consideração os perfis de 124 alunos que passaram pelas 6 turmas. Como foi praticamente uma turma atrás da outra, o aprendizado do meu lado foi muito intenso e rápido. E com toda a experiência obtida, deu pra ter um chão de como eu e as pessoas envolvidas vamos tocar essa nova fase.

Foram vários aprendizados. No primeiro dia tive que mudar tudo que eu havia planejado, ali, na hora. Pareceu mais caótico pra mim, pois nunca havia me exposto dessa forma, ainda mais para pessoas que me acompanhavam à distância e agora estavam ali ouvindo de mim. A facilidade do assunto também foi uma estratégia que tive para não titubear. Para mim, ensinar e falar sobre código é mais fácil do que ensinar e falar sobre a subjetividade criativa, que é Design Gráfico.

Do segundo dia em diante, eu já estava colocando em prática novas estratégias de ensino, baseada nos feedbacks que recebia das turmas. É difícil ler e escutar alguém dizer que não consegue entender da forma como está sendo ensinado, ainda mais quando sou eu a ensinar e dar a cara ao meu próprio projeto. Não tem onde se esconder. É um exercício constante de só parar para ouvir, compreender, analisar e refazer o que for necessário. Dessa forma, o Aprender Design nasce com a ideia de ser uma escola de Design remota, focada na parte digital da nossa profissão.

Teremos o curso presencial sempre que possível, mas a ideia é que seja à distância: uma facilidade para o professor e para o aluno. Também estamos trabalhando em cima de seis pilares: Visual, Interação, Código, Pesquisa, Estratégia e Liderança. Acreditamos que esses são os conhecimentos necessários para a formação de um designer. Outro ponto importante é que não serão videoaulas. O aluno tem a oportunidade de estar "presente" com profissionais do mercado, aprendendo ao vivo, tirando suas dúvidas e trocando conhecimento.


Aprender Design. Além das videoaulas, o projeto conta a com formação de turmas presenciais






Em um dos textos clássicos do design gráfico, Massimo Vignelli, à convite de Walter Herdeg para escrever o prefácio da edição 1983-1984 do anuário Graphics, profere: “enquanto não houver crítica, o design gráfico não será uma profissão”. Passado estes anos, como você enxerga hoje o seu trabalho com o Creative Doc? Ele é também um espaço para a crítica através da curadoria? 


O Creative Doc veio evoluindo junto comigo. Me considero uma pessoa que questiona muito qualquer aspecto das minhas relações: familiares, afetivas e profissionais. Isso se estende ao meu entendimento do que é minha profissão e como eu quero trazer à luz esses questionamentos. Desde o início, a ideia é expor o pensamento de outros profissionais acerca do que é Design e como trabalham com isso. Com a evolução, meus questionamentos foram mudando. Procurei acompanhar esses ciclos e elaborar entrevistas que soassem mais filosóficas e pessoais, expondo um lado mais pensador das pessoas. É enriquecedor enxergar através de outros ângulos.

A principal curadoria do projeto hoje é o de pessoas, usando seus projetos e portfólios como pretexto para expor as ideias. Antes de qualquer convite, faço sempre uma pesquisa, sigo perfis e observo a forma como essas pessoas dão opiniões. Quando percebo o questionamento constante e o levantamento de temas importantes sem qualquer compromisso, entro em contato imediatamente.

Minha primeira motivação é dar lugar para que o outro expresse seus pensamentos, guiando-o com os meus questionamentos. Ser um lugar que estimula a crítica e discussão sobre design requer que a opinião do outro seja exposta de forma clara e independente, mesmo que eu concorde parcialmente ou não concorde de forma alguma. Não existe crescimento livre de conflitos.

Não acho que o Design carece de crítica, falando de forma geral. Temos muitos podcasts e publicações independentes, que demonstram o engajamento das pessoas em falar sobre a profissão, seus altos e baixos, suas consequências e oportunidades para melhorar. Talvez não no formato formal de crítica, mas na expressão individual de seus pensamentos.


Que outros espaços, sites e blogs tem como referências sobre a produção de conteúdo no campo criativo, para o design ou mesmo para a arte - música, pintura, fotografia?


Acabo consumindo muita coisa vindo de cantos da internet. Mas me vem à mente alguns que visito frequentemente, senão diariamente. Para inspiração em geral, de design e fotografia tem o Savee, Back to Basics curado por Duane Dalton, e perfis Santa & Cole, Reuben Wu, Grafik Feed e Canada Modern, são alguns dos muitos. Para arte, tem os perfis da Alzueta Gallery, Abstract Mag, Cy Twombly, Max Cobalto.


Savee - Muitas de suas referências podem ser encontradas em sua página






Quem são suas referências mais contemporâneas dentro do design gráfico?


Minhas referências acabam sendo em maioria das áreas de Arquitetura e Design Industrial, mas se eu posso citar especificamente do Design Gráfico, eu diria que, dos muitos, Massimo Vignelli, Michael Bierut, Sean Wolcott, Aloísio Magalhães e Alexandre Wollner são perfis que sempre me inspiraram sobre seus trabalhos e opiniões profissionais.


Há muito sendo dito sobre os caminhos que o design vai tomar ou está tomando. Mas, onde você acha que chegamos em 2020? O que significa pensar e fazer design hoje em dia?


Tenho pouco tempo de carreira, se comparado à pessoas que trabalham desde a era pré-internet no Brasil, e por isso minha visão é quase 90% limitada ao contexto digital. Se eu me basear pelos livros que leio, as histórias que aprendo e os profissionais que conheço, imagino que vivemos sempre à mercê do tempo. Pessoalmente, fazer e pensar design hoje faz sentido para o que vivemos nessa geração. Deixará de fazer sentido quando a próxima geração encarar outros problemas em outros contextos. Se será uma evolução do que fizemos ou não, só o tempo dirá.

Mas ao mesmo tempo em que acho que estamos numa época de muita objetividade e liberdade criativa – fazendo coisas que são mais inclusivas e dando voz à outras histórias – também acho que ainda não conseguimos nos desconectar completamente de certos questionamentos infantis de longa data. Entendo que a evolução é uma transição lenta dependente de vários fatores.


Uma música que não pode faltar na tua playlist e que está sempre presente nas tuas rotinas.


Difícil apontar uma só! Mas tem a Burnt de Kiasmos, de uma dupla de islandeses: um pianista premiado, Ólafur Arnalds, e o DJ, Janus Rasmussen. A música tem todas as qualidades que busco para ajudar na concentração e animação ao fazer algo.


Kiasmos. Burnt






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